sábado, 26 de janeiro de 2008

Impressões sobre a angústia da madrugada

Um dia de cada vez. E uma noite no meio. Algumas são bem difíceis, principalmente quando a insônia ataca. Esta madrugada tive mais um flashback do acidente - às vezes isso me vem em sonho, às vezes acordado. O som da freada e do impacto, meus passos enquanto corria pro local, o resgate, as respirações ofegantes - naquelas horas críticas senti a audição ampliada e o tempo em exasperante câmera lenta. Tenho evitado comentar isso, mas o desabafo me ajuda a exorcizar a angústia. Ao olhar direto pros meus medos (= escrever sobre eles), me fortaleço. Espero que assim ajude os que também estejam precisando.

Fui pra sala. Eram três da manhã e abri o livro O carrasco do amor e outras histórias de psicoterapia, do psiquiatra Irvin D. Yalon (autor do excelente Quando Nietzsche chorou). Na introdução, ao abordar as dificuldades do duplo papel de observador e participante, ele cita uma frase que me chega como uma resposta de oráculo:

Ao escolher entrar completamente na vida de cada paciente, eu, o terapeuta, não somente fico exposto às suas mesmas questões existenciais como também devo estar preparado para examiná-las com as mesmas regras de investigação. Devo aceitar que conhecer é melhor do que não conhecer, aventurar-se é melhor do que não se aventurar; e que a magia e a ilusão, por mais magníficas e fascinantes que sejam, no final enfraquecem o espírito humano. Eu encaro com profunda seriedade as poderosas palavras de Thomas Hardy: "Se existe um caminho para o Melhor, ele exige uma visão completa do Pior".
...
Nós, psicoterapeutas, não podemos simplesmente tagarelar com simpatia e exortar os pacientes a se debaterem corajosamente com os seus problemas. Nós não podemos dizer a eles vocês e os seus problemas. Ao contrário, devemos falar de nós e de nossos problemas, pois nossa vida, a nossa existência, estará sempre presa à morte, do amor à perda, da liberdade ao temor e do crescimento à separação. Nós, todos nós, estamos juntos nisso.
As madrugadas insones, os sonhos e também o sono profundo que se segue a eles nos são dados pra que a gente possa lidar sozinho com nossos fantasmas. Sem essas pausas de aguda percepção e também de esquecimento, talvez a realidade se tornasse insuportável.

Depois de um tempo voltei pro quarto e fiquei no escuro, olhando os meninos. Ri sozinho, tinham invertido as posições: Miguel, que adormecera no lado esquerdo do colchão, agora estava no direito, e Bruno tinha passado do lado direito pro esquerdo. Deitei, apaguei e acordei às oito me sentindo bem mais leve. Estamos no caminho para o Melhor.