Pura sorte
1.
Chega a pé. Sol quente, uma e meia da tarde. Casas geminadas sem jardim. Ninguém por ali, só o menino brincando com bolas de gude na calçada.
- Seu pai tá em casa?
- Tá.
Mão no bolso. Nota de cinco.
- Tome. Pra comprar de bala.
O garoto pega o dinheiro, corre para a venda e some de vista.
Sobe o degrau e empurra devagar a porta da frente, entreaberta. Na sala, um homem vê tevê sentado numa cadeira de balanço de plástico trançado. Sorri para o desconhecido, meio sem saber por quê, e se levanta.
- 'Dia. Posso ajudar?
- Licença. O senhor é Joaquim dos Prazeres, do sindicato?
- Eu mesmo.
- Vim lhe trazer uma encomenda.
Dois tiros certeiros. Um no coração, outro na cabeça. Guarda o revólver e sai caminhando sem pressa.
2.
Demorou, mas um dia falhou. Munição velha. O sujeito reagiu, foi preciso usar arma branca. Confusão, gritaria, fuga rápida. Levou rasteira na esquina e foi algemado pelos soldados de polícia. Na prisão, o pão que o diabo. Quebraram-lhe os dedos da mão direita com cabo de fuzil, um a um. Meses depois, grade serrada e rua.
3.
Sol quente, duas da tarde. Dois meninos batem bola no campinho. Faz sinal e eles vêm.
- Conhecem Mané das Dores?
- É meu pai. Tá em casa, aquela verde ali, ó.
Duas cédulas de cinco, eles pegam rápido. O mais novo aponta a atadura na mão do homem:
- Que foi isso?
- Acidente de trabalho. Mas dei sorte. Sou canhoto.
Os meninos saem correndo para a venda. Ele caminha em direção à casa verde e empurra a porta em silêncio.
segunda-feira, 15 de julho de 2002
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