Escrevo de um ciber em Brasília. Mas não é sobre o planalto central que quero comentar hoje, e sim sobre uma efeméride pessoal. Há exatos vinte anos, mais ou menos a esta hora da manhã, começou meu caso de amor com Floripa. Eu tinha dezenove anos, onze meses e dezenove dias. Desembarquei na rodoviária Rita Maria, de um ônibus que vinha do Rio de Janeiro - uma das escalas na longa viagem que começou em Natal.
Como tantos acontecimentos em minha vida, o acaso e o improviso contaram muito. O plano original era ir pro Caribe e pra França, de carona num veleiro francês, mas terminei indo de caminhão na direção oposta. Meus amigos velejadores - dois irmãos e a mulher de um deles - fizeram o convite pra rachar trabalho e despesas, mas os planos mudaram quando os reencontrei na Marina da Glória, no Rio. O casal tinha se separado, a moça voltara pra Paris e os irmãos decidiram continuar descendo até Buenos Aires. Abandonei o barco (aliás, até hoje enjôo no mar) e o sonho adolescente de aventurar o subemprego na Europa.
Resolvi passar férias em Floripa, pra onde minha família tinha acabado de se mudar - minha mãe ia fazer mestrado em enfermagem. Eu pouco sabia da cidade, a não ser que era uma ilha oceânica, bonita, pequena, conhecida pela qualidade de vida. Foi um alumbramento! Me apaixonei à primeira vista e, como já tinha botado na cabeça nômade a decisão de ir embora de Natal, pensei: por que não? A decisão foi rápida. Em pouco tempo eu já tinha trancado a faculdade de jornalismo na Federal do Rio Grande do Norte e estava frequentando o curso de jornalismo da UFSC como aluno ouvinte, enquanto tentava uma transferência.
Da janela do apartamento que dava vista pra Baía Norte, chorei de saudade dos amigos maravilhosos que ficaram em Natal, pelo que foi bom e não ia mais ser. E - pressentia - pela transformação radical que a minha nordestinidade ia passar dali pra frente. Dores do amadurecimento, frio na barriga com as conseqüências da escolha. Aos vinte anos de idade eu abria um novo capítulo na vida, que iria transformar meu sotaque - de onde ele é hoje? -, ampliar meus horizontes profissionais e definir a existência de pessoas ainda por nascer.
Seis meses depois eu conseguia a matrícula em definitivo e começava a trabalhar em jornalismo como revisor do jornal O Estado, a convite do amigo-irmão Frank Maia. Mais outros seis meses e minha família retornava a Natal - a mãe desistiu do curso -, ficando em Floripa eu e mano André, que estudava Direito. Daí experimentei a solidão, depois conheci um montão de gente, virei repórter de polícia e de geral, estive em festas malucas, sofri com o inverno, curti altos verões, peguei caronas pelo interior catarinense e muita, muita coisa aconteceu.
Quase todo ano eu retorno ao Nordeste, de férias, mas não mais voltei a morar lá - com exceção de oito meses entre 1990 e 91, por ocasião da morte da minha mãe, quando ancorei em Ponta Negra pra apoiar a família e escrever meu projeto de conclusão de curso. Floripa virou minha casa, o ninho acolhedor e porto seguro. Na Ilha fiz descobertas maravilhosas no amor, na literatura, no cinema e nos bares. Peguei estradas, cruzei fronteiras, ri muito, passei apertos e cresci. Saí e voltei - Natal, Manaus, Rio -, sempre recebendo acolhida generosa. Encontrei minha amada, gerei dois meninos barrigas-verdes. E fui ficando, por decisão explícita.
Nunca me arrependi da migração voluntária. Eu não seria o que sou hoje sem aquele passo. Vinte anos depois, as lembranças me voltam como uma força da natureza, caóticas e belas. Na manhã daquele 12 de janeiro de 1986, intuí que os novos tempos podiam ser tudo, menos tediosos. Assim é.
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