Recebi por e-mail, da amiga Lícia, artigo do escritor Milton Hatoum sobre o rio Negro e seus igarapés, do qual pincei os trechos abaixo. É um tema que me traz recordações intensas. Tomei muitos banhos pelado nos igarapés de Manaus, onde vivi dos quatro aos seis anos. Não cheguei a ter, como Hatoum, o primeiro encontro sexual nesse paraíso aquático cor de mel. Minha iniciação foi de outra natureza: a percepção da coisa antes da palavra, a sinestesia atordoante dos sentidos, o riso infantil de liberdade. Parti de Manaus em 1970 para só voltar vinte anos depois e ver os efeitos da Zona Franca: meus amados igarapés transformados em esgotos fedidos a céu aberto, em torno de favelas miseráveis de palafita. Por quanto tempo o rio Negro vai sobreviver, Hatoum? Gostaria muito de acreditar que as nossas lembranças doces podem de alguma forma servir de freio a essa destruição.
(...) Em menos de vinte anos, os igarapés de Manaus tornaram-se canais poluídos onde nem um louco ousaria banhar-se. No entanto, nos anos 60, até os moradores do hospício de Flores freqüentavam os balneários públicos da cidade. Fugiam do inferno para nadar e mergulhar.Do texto Rios da nossa aldeia, por Milton Hatoum, autor dos romances Dois Irmãos, Relato de um Certo Oriente e Cinzas do Norte.
Lembro da tarde em que um dos fugitivos foi capturado no balneário 15 de Novembro. Ele estava nu, brincando nas águas escuras e limpas do igarapé. Ria de tanta liberdade, os braços erguidos para o céu cheio de nuvens espessas como se fossem blocos de mármore. (...)
Paisagens vivas da cidade, esses caminhos de água foram fontes de prazer, leitos aquáticos de experiência erótica e encontro carnal. Na minha memória, o primeiro encontro com uma mulher aconteceu num desses balneários escondidos, quase clandestinos numa cidade ainda pequena e provinciana.
Namoramos no rio, brincamos até o sol da tarde esquentar a água e a areia. Um namoro com tantos volteios e imersões... Amor sem palavras, como se fôssemos estranhos ou mudos... Depois deitamos no areal próximo da floresta e mergulhamos no sono de quem se esquece do mundo. No fim da tarde ela já não estava mais comigo. (...)
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Em tempo: Relato de um certo Oriente é um livro maravilhoso, que bate forte na alma de nômades como eu. Li também Cinzas do Norte e gostei muito.
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