Ademir Demarchi, editor da revista de poesia Babel, de Santos, foi meu primeiro chefe no ofício de jornalista aqui em Floripa. Ele coordenava a revisão - função hoje extinta nas redações - no jornal O Estado. Naquela minúscula sala aprendi a consultar dicionário e curti belos momentos com um timaço que incluía Frank Maia, Joca Wolff, Giane Severo, Ricardo Carle, Mara, Denise, Edson e outras figuras bacanas. A gente brincava direto com as palavras, apostando cerveja sobre a grafia correta, fazendo trocadilhos e filosofando.
"Ademonho", como às vezes o chamávamos, era um grande chefe, justo, amigo e divertido. Um poeta cabeção. Depois que se mudou nunca mais o vi, mas vez em quando tenho notícias dele. Acabo de saber pelo Adauri que Ademir ganhou um prêmio na categoria poesia num concurso de edição de livro promovido pela Secretaria da Cultura de SP. Ele vai receber grana pra publicar mil exemplares de "Os mortos na sala de jantar". São 110 poemas que vêm sendo escritos há 15 anos, tendo como tema a idéia de morte na história, na antropologia, na cultura e na literatura. Uma amostra:
FIAT CÉSIO
ademir demarchi
como aura divina os lábios azuis-claros resplandecem
a radioatividade do cérebro e do lixo
apagando o vermelho intenso do coração
beijam sentidos calcificados que se derramam em baba
balbuciam inaudíveis, autômatos de pilha falha
o frio da solidão se intensifica
e os corpos se aproximam uns dos outros
em busca de um calor inexistente
aumentam a luz dos novos cogumelos simbólicos
que se amontoam como o lixo aos cantos
meninos e meninas sentem náusea física da infância
vão perdendo com dor os belos dedos acesos pela luz
definham como a carga de uma bateria e vão morrendo
urrando luz com olhar de ovários arrancados
com tez iluminada de azul celeste
angelicalmente estáticos e passivos
como se assistissem a tevê no domingo em preto e branco
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