quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Crônicas da violência cotidiana (1)

Essa é do Fernando Evangelista, nosso correspondente para assuntos aleatórios em Malta.

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Conto um fato que testemunhei recentemente. É uma história real:

Cheguei na escola e vi os professores e funcionários reunidos. Falavam baixo, estavam muito sérios. Clima pesado. Manhã de chuva.

Pensei no pior: Alguém morreu. Quem será que morreu? Como tem morrido gente ultimamente. Fiz uma listinha de cabeça. Tudo gente boa. Os cacos, aqueles que devem morrer, não morrem nunca. Será que foi o diretor?

Perguntei a minha professora, no meio do corredor, quase pedindo desculpas, quase sussurrando:

-O que houve?

E ela, voz de choro:

-Hoje faz três anos do assalto ao banco HSBC.

-Hummm. Quantos mortos?

- Uma pessoa baleada.

- Era alguém da sua família?

- Não, era o John, o guarda. Todo mundo conhece o guarda.

- Ah, sim, o guarda.... mas quantos mortos?

- Nenhum. O John foi baleado, ela repetiu e eu senti - porque é fácil perceber essas coisas - que o tom de voz estava mudando de choroso para impaciente.

- Ele ficou muito ferido?

- Foi uma bala de raspão.

- Que bom! Que sorte!

E ela, estarrecida:

- Que bom?! Nunca tínhamos tido nenhum assalto aqui, uma pessoa foi baleada e você diz que bom!?! Aqui sempre foi tudo muito calmo, nunca teve dessas coisas. Assalto, com revólver, Meus Deus, só em filme.

- A senhora estava no banco?

-Não, mas o país todo ficou muito traumatizado. Será muito difícil esquecer. Parece que foi ontem.

Falou muito séria e saiu. Eu fiquei o dia inteiro pensando nessa história, pensando no guarda e pensando no Brasil.