As antenas de nossa percepção têm um limite, único e peculiar a cada pessoa. O universo que alguém enxerga numa folha seca pode passar despercebido por outro. O eco afetivo de memória que, em mim, certas músicas provocam, abrindo "portais de espaço-tempo", a você talvez soe como um amontoado de sons que não fedem nem cheiram. Além do alcance dos nossos "tentáculos sensoriais" há o grande vazio. Um vazio repleto de vida e informação, mas por não tomarmos consciência dele, é como se não existisse. De vez em quando um movimento imprevisto no líquido amniótico em que a existência está mergulhada faz com que os tentáculos tateiem um pouco mais longe em direções inusitadas. É um jogo de toma-lá-dá-cá. Se dedico alguns anos a aprender francês, vão ser anos sem estudar alemão. Enquanto leio Cortázar - cujo capítulo 84 de Rayuela me inspirou a escrever isto sentado num banco de praça -, estou deixando de ler outros. A viagem à Europa ou ao Ceará é uma não-viagem a outros lugares.
Pode-se lidar com esta limitação de muitas maneiras, todas imperfeitas, nenhuma necessariamente melhor que a outra, talvez melhor pra mim e nem tanto pra você ou ao contrário. Viver satisfeito, pleno de si, da maneira mais criativa e genial possível dentro da bolha existencial, sem perder tempo com o inatingível. Viver em permanente ânsia e frustração pela viagem não feita, a frase não-escrita, o amor não-vivido - porque se estava fazendo outra viagem, escrevendo outras coisas, vivendo outro amor. Ou ainda o frágil e desequilibrado equilíbrio entre o contentamento com o que conseguimos perceber e o sonho com a sombra da possibilidade do que há nas outras dimensões, nas folhas secas que jamais veremos, nos idiomas falados pelas árvores e cães e gentes paradas em esquinas onde jamais vamos pisar. Mas se imaginarmos, quem poderá dizer que não existem?
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007
Folhas secas, viagens e esquinas (après Cortázar)
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