Desde criança - muito antes de ter acesso ao debate sobre copyleft ou de fazer reflexões existenciais sobre o desapego - a idéia de "ter" um livro ou "ter" uma música sempre me parece estranha. Credito isso em parte ao fato de ter crescido num ambiente rodeado de música e gente: rádio ligado, irmãos cantarolando no chuveiro, LPs espalhados pela casa, fitas cassete no carro. Pra mim era mais que óbvio, o som estava no ar pra ser degustado na hora em que tocava. Cada pessoa que ouvia também passava a ser dona da música (aos seis passei a ser um dos donos dos Beatles).
Com os livros foi um pouco parecido. Tive a sorte de mergulhar cedo no mundo maravilhoso das bibliotecas. Primeiro na escola primária no Recife, numa fase introspectiva aos sete anos - logo depois de passar vergonha porque uma menina contou pra toda a turma que eu tava sem cueca por baixo do calção, mas isso não vem ao caso. O fato é que a escola tinha uma biblioteca interessante, apesar de pequena, e lá eu me refugiei por um tempo na hora do recreio. Momentos de belas descobertas, como a série francesa Petit Nicolas e os livros de Orígenes Lessa.
Aos doze, descobri na Biblioteca Pública de Natal um grande tesouro: a coleção completa de Tarzan, de Edgar Rice Burroughs. Passei tardes muito agradáveis ali, numa deliciosa solidão cheia de aventuras africanas, até ler os mais de vinte livros da série. Aí parti pras obras de Monteiro Lobato, de quem se pode dizer sem exagero: é um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. No ginásio tive um professor que escreveu certo por linhas tortas. Um dia eu fui à aula com meias verdes porque não tinha as meias pretas do uniforme. Ele me mandou de "castigo". Adivinha pra onde?... Pra biblioteca! Não lhe guardo rancor nem o nome. Outros mestres vieram e me estimularam com mais inteligência.
Como nunca tive grana sobrando pra comprar os livros e músicas que queria, precisei buscar alternativas. Bibliotecas públicas e de amigos, trocas, fotocópias, sebos... E mais recentemente os meios que a tecnologia oferece. Hoje já posso entrar numa livraria e levar um livro novo (é incrível que no Brasil e em tantos lugares isso ainda seja quase um luxo!), embora sempre deixe pra trás uns dez que também gostaria de ter comprado. A idéia de "ter" um livro ou uma música continua me parecendo tão bizarra quanto nos tempos de criança. Minha biblioteca virtual no LibraryThing é composta na maior parte por livros que não "tenho" no sentido físico. Na verdade, são os livros que me têm.
p.s.1. Nunca roubei livros. E não foi por falta de oportunidade, e sim porque isso nunca fez sentido pra mim. Mas confesso que já tive vontade.
p.s.2. Alguns livros marcantes ("disclaimer": lista em eterna mutação).
p.s.3. Quais são os seus cinco livros marcantes? Se quiser, conte o motivo. Lembrança de um antigo amor, de uma viagem, de um momento bacana? Presente de alguém especial?
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
Os livros, as bibliotecas e eu
Assinar:
Comment Feed (RSS)
|