quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Uma viagem pela margem do Novo Chico

Caroline e Ticiani, duas estudantes de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, resolveram botar os pés na estrada pra fazer o trabalho de conclusão de curso. Elas estão percorrendo de carro, por um mês, a margem pernambucana do Rio São Francisco. Serão ao todo 500 quilômetros e dez municípios. Seu objetivo é contar sobre as pessoas que vão ter suas vidas afetadas pela obra. A aventura jornalística pode ser acompanhada no blog Às margens da transposição.

Fiquei encantado com a ousadia e a relevância da proposta. Esta pauta estava "caindo de madura", como se diz entre os coleguinhas. O Brasil é um mundo de histórias a serem contadas, de gente simples e anônima que rala de sol a sol pra sobreviver e criar a família - neste caso, bote sol nisso! Quando essas pessoas vivem no entorno de um polêmico megaprojeto de engenharia, o registro de seus depoimentos ganha uma dimensão social e histórica importante.

Acho bacana a narrativa em primeira pessoa. Elas se colocam na história, com suas inseguranças, expectativas e o frescor de jornalistas em princípio de carreira - com os naturais escorregões que a falta de experiência possa trazer, mas com a vantagem de estarem livres dos vícios dos profissionais calejados pelo cinismo do dia-a-dia. As descrições do cotidiano da viagem, com seus estranhamentos e choques culturais, são saborosas. No dia 12, em Lagoa Grande, por exemplo:

(...) deparamos com uma espécie de mirante no Velho Chico. Não hesitei. Parei o carro e desci para ver aquela imensidão. A Carol me seguiu no primeiro instante, mas logo pediu para que saíssemos dali, se sentia ameaçada. Um bando de meninos, entre 13 e 15 anos chegavam no local. O que inibiu a Carol, me tranqüilizou. Eram apenas guris de ‘cueca’ indo tomar banho no rio. Eles usavam o mirante como trampolim. Numa tentativa de aproximação, não fomos bem recebidas. Tentamos puxar papo com duas meninas e elas não nos entendiam ou não sabiam lidar com a situação. Percebendo que não teríamos retorno, nos afastamos e ficamos só observando a movimentação. (...)
As impressões sobre a comida, o trânsito e o clima:
É difícil uma gaúcha e uma catarinense de São Joaquim admitirem, mas o vento também nos fez passar frio.

Sombra? Que sombra?

As bicicletas acham que são motos.

Farofa é onipresente.

Baião de dois não é uma refeição que dá pra dois. É uma mistura de arroz, feijão, calabresa, bacon e o que mais se quiser por dentro.
A cobertura é multimídia, com textos, fotos e vídeos - estes últimos, por enquanto, ainda não estão no blog. Gostei da apresentação de fotos com a ferramenta slide. Senti falta do RSS e de uma variedade maior da tags - acho que o critério de classificar os posts só em "editorias" subutiliza o recurso, que possibilita entradas mais intuitivas. Encontrei uma referência a "não-cultura" associada à miséria e à seca que vão encontrar pela frente. A redefinição do conceito trivial de cultura pode ser uma surpreendente descoberta das viajantes...

Uma coisa maravilhosa nesse mar de histórias é que ele oferece várias continuações possíveis, a serem feitas por elas mesmas ou por outros. Um próximo passo seria visitar locais que vão receber a água da transposição. Outra abordagem possível é fazer esses dois caminhos daqui a alguns anos, numa viagem comparativa - se possível, revisitando os personagens que apareceram na jornada anterior.

Boa viagem, meninas! Desejo que esta viagem abra portas pra muitas outras. Abraços de um pernambucano na Ilha de Santa Catarina.

p.s.: "Transposição do rio São Francisco" tem 187 mil referências no Google.