segunda-feira, 29 de outubro de 2007

O que eu vi em Tropa de Elite

Meus dois vinténs sobre o filme mais falado do ano:

Tropa de Elite, apesar da abordagem rasa de questões importantes, tem méritos. A começar porque despertou o debate sobre violência, tortura, corrupção, papel do estado e das ongs, relações de causa e efeito entre tráfico e consumo. É preciso relativizar esse mérito, porque Diogo Mainardi e as matérias-lixo da Veja também motivam debates. Mas a gente aprende com os filmes ruins.

Acho válida a opção de apresentar a história pelo ponto de vista do policial-matador. Coppola fez o mesmo com os mafiosos na trilogia The Godfather - com resultados beem superiores, claro. Imaginar como o outro pensa - o outro diferente, não o parecido - é um exercício rico. Se uma parte do público aplaude o capitão como herói, credito isso menos às artes manipulatórias do filme (existentes, sim) que ao lado fera assustada das pessoas que esperam a salvação num líder do esquadrão da morte. O discurso conservador encontra eco nos conservadores ou que tendem a isso.

O filme é pobre e incompleto pela ausência do contraditório. Confunde simplicidade com simplismo, tem personagens esquemáticos - os dirigentes da ong parecem rascunhos ridículos do primeiro tratamento do roteiro. E usa de maneira desnecessária a narração em primeira pessoa - que nem sempre é um pecado, diga-se. Goodfellas (Scorsese, 1990) é um exemplo de como isso pode ser feito com qualidade.

Uma boa comparação pra perceber essa visão capenga é com os dois ótimos filmes-gêmeos de guerra de Clint Eastwood, Cartas de Iwo Jima e A conquista da honra: eles mostram uma mesma batalha da segunda guerra mundial no Pacífico pelo ponto de vista dos japoneses e dos americanos. Não há vencedores nem vencidos. Enfim, faltou a Tropa de Elite a densidade pra, como obra de arte, ir além da reprodução de um discurso limitado. A história ficou incompleta.

Será que o povão tem a capacidade de aprender com filmes ruins? Acredito que sim. Especialmente se puder fazer a comparação com filmes bons, como Cidade de Deus e esses outros que citei, todos disponíveis em locadoras. Conversar sobre isso com a família e os amigos. Buscar contrapontos. Tropa de Elite pode ajudar outros cineastas a contar essa história bem melhor.