quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Mais lembranças de Augusto (68-81)

O tempo é santo remédio pra aliviar a dor, mas o preço disso é uma parcela da nossa memória. Talvez só assim a gente consiga tocar a vida: graças à abençoada proteção de uma névoa que, com o passar dos meses e anos, suaviza os contornos do que se foi e nos ajuda a ver o presente.

Ainda bem que a escrita e as conversas ajudam a guardar pequenos tesouros de quem nos deixou marcas. Fico contente que as pessoas estão contando aqui suas lembranças de Augusto Tuyama. Elas se somam às primeiras 67 que escrevi.

Passo longe da pretensão de fazer uma biografia ou lista de "melhores momentos". Muitas dessas lembranças são só pedacinhos do cotidiano, anedotas, fatos curiosos. Algumas podem depois ser desenvolvidas em boas histórias ou melhor contadas, por mim ou por vocês.

Se você o conhecia, seu tributo neste memorial coletivo é muito bem-vindo. Se não teve a sorte de conhecê-lo, pode ter uma idéia de quem foi este homem especial. Imagine que estamos numa mesa de bar em frente ao mar, num papo descontraído, e vamos recordar juntos.
...
68. "Sabon ou saboa?" - perguntando como estávamos. (Fátima Simãozinho)
69. "Este Gurgel é como coração de mãe, sempre cabe mais um." - Quando ia recolhendo a garotada ao longo do caminho da escola, pra dar carona. (Fátima Simãozinho)
70. O estalar de dedos acompanhado de uma gargalhada, quando ouvia o final de uma história que gostasse muito. (Neto)
71. "Desculpe por tudo. Da próxima vez boto só a metade". Estas foram as últimas palavras que ouvi dele, em janeiro de 2005, no Campeche. Um dia vamos nos encontrar outra vez, e eu vou poder contar as piadas que guardava para a minha próxima viagem ao Sul e para ouvir mais um pouco da sua sabedoria. (Camillo)
72. Eu ia la no viveiro dele tirar foto das flores e ele me ajudava e mostrava as melhores flores e tal... Depois descobri que o sacana ainda falava: "Um homem daquele tamanho tirando foto de flor" hauhahauhahauah (Paulinho)
73. "De longe é uma grande distância" (ele falava coisas assim com um tom de conversa séria, rindo com os olhos).
74. "Capital das Reservas Futuras" (sobre Novo Horizonte, lugarejo que praticamente só tinha mato, caçoando dessa história de os os municípios pequenos adotarem títulos de capital de alguma coisa).
75. "É poco, né?" (imitando sotaque japonês pra brincar com o nome da cidade matogrossense que pretendíamos conhecer juntos).
76. Ele nunca tirava acessórios antes de vender carros. E quando ia comprar, desistia de imediato do negócio se o vendedor quisesse fazer isso.
77. Quando ia comprar qualquer coisa, jamais botava defeito pra melhorar a oferta. "Se eu não puder elogiar eu fico calado", era um de seus bordões favoritos.
78. Quando era rapaz, tinha uma namorada cujo pai só deixava ir ao cinema se fosse acompanhada dos irmãos. Pra não ter que pagar a entrada de todos, combinava com a moça: "Eu vou chegar um pouco atrasado, me espere na terceira fila".
79. Na infância, tinha um cachorro chamado Sil, homenagem ao cantor Sil Farney. O cão o acompanhava no escuro até o lugar onde ele pegava o ônibus pra escola. Na volta ele descia do ônibus, dava um assobio e Sil aparecia.
80. Quando menino, caminhava levando as alpercatas nas mãos pra não gastarem. Um dia levou uma topada no dedão e comemorou: "Ainda bem que estou descalço!"
81. Dona Nilza conta que, quando eram namorados, passeavam na rua no interior de Minas Gerais quando viram uma banquinha de rapadura. Ele perguntou: "O que é isso?" Ela: "Nunca viu rapadura?" Ele: "Não". Tempos depois ela estava na cidade dele em São Paulo e viu o doce: "Uai, tem rapadura aqui?" "Sim, tem muita". Aquela pergunta tinha sido só pra puxar assunto.