Se viva estivesse, minha mãe completaria 68 anos hoje. Já são 17 anos e meio sem Sara. A presença da ausência - sentimento que redescobri há pouco - continua marcando os meus dias. Saudade aliviada pelo tempo, mas sempre à espreita de uma brecha em sonhos pra me pegar desprevenido no meio da madrugada. Às vezes imagino o que ela estaria fazendo hoje. Provavelmente continuaria a se dedicar, mesmo aposentada, a coisas que a atraíam em seu trabalho de enfermeira: dar aulas sobre hanseníase e aids, assistir doentes. No lazer, artesanato: pintura, bijuterias, confecções, bolsas. E mais viagens de aventura. Num navio-hospital pelos rios amazônicos, revivendo parte de sua trajetória profissional. Dançando tango com meu pai em Buenos Aires. Dirigindo entre cidadezinhas do interior do Ceará. Em sua casa em Natal, preparando feijoada pros amigos ou baixando músicas pela internet, uma evolução natural das suas gravações em fitas cassete. Mimaria os netos - não chegou a conhecer nenhum, pois se foi muito cedo, aos 50, depois de uma besta cirurgia de sinusite. De todas essas fantasias, gosto de imaginar que ela está agora dançando em alguma dobra do tempo, com um daqueles vestidos coloridos que ela mesma costurava. Um parangolé astral, com cores que mudam a todo instante.
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