sexta-feira, 9 de maio de 2008

Órfãos do Eldorado

Li de uma sentada só, no avião (aliás, duas: trecho Floripa-Guarulhos e Guarulhos-Brasília), o novo livro de Milton Hatoum, Órfãos do Eldorado. São 103 páginas que envolvem o leitor numa história de amor frustrado, conflito pai & filho, miragens e obsessão. Tudo isso ambientado às margens do rio Amazonas, no início do século vinte, entre o apogeu e a decadência do ciclo da borracha. O mito amazônico da Cidade Encantada, lenda indígena e também européia, é evocado na narrativa como possível destino de Dinaura, órfã por quem o protagonista se apaixona.

Muito bom! Não chega a ter a exuberância dos premiados Relato de um certo Oriente, Dois Irmãos e Cinzas do Norte. Mas é uma pequena jóia, lapidada com extrema sensibilidade e competência, que só reforça minha impressão: Hatoum é um dos melhores escritores brasileiros desta geração. Órfãos do Eldorado é um "pequeno grande livro", como diz em seu blog Daniel Piza, colunista do Estadão. Citei Milton Hatoum e a sua obra algumas vezes aqui no blog. A obra dele provoca ecos fortes em minhas memórias de infância - morei dos cinco aos seis anos em Manaus.

Um tema recorrente da obra do escritor amazonense gira em torno de afogamentos e naufrágios - a primeira cena da história marca esse tom e o naufrágio do cargueiro Eldorado tem peso concreto & simbólico na trajetória do protagonista. O recente afundamento de um barco lotado no Amazonas, com dezenas de mortes, revela como a realidade é alimentadora infinita de dramas para a literatura. Barcos que afundam por causa da ganância irresponsável de seus donos e da corrupção das autoridades são fato corriqueiro por lá. Passada a indignação momentânea e as promessas de medidas duras pra aumentar a fiscalização, tudo volta ao que era.

p.s.: o navio Leopoldo Peres, no qual viajei de Manaus a Belém em 1972, já está submerso. Afundou alguns anos depois, numa colisão com uma corveta da Marinha.