segunda-feira, 21 de julho de 2008

Crônicas natalenses: Ponta Negra

Em Natal desde domingo à tarde. Emoções contraditórias ao rever, depois de cinco anos de ausência e 23 anos de mudança, a cidade onde passei a adolescência. Estou no apê do meu irmão André, perto da praia de Ponta Negra. Nesse lugar tive alegrias imensas e algumas tristezas gigantes. Minha mãe está enterrada no pequeno cemitério da vila. Lembranças agridoces me acompanham a cada passo.

Ontem dei uma longa caminhada pelo calçadão até quase o morro do Careca. Desapareceram aquelas barracas charmosas e anti-higiênicas da beira-mar. Agora há uma fieira de restaurantes, bares, pousadas, casas noturnas, imobiliárias anunciando terrenos em inglês e espanhol, carros da "tourist police" circulando devagar, gringos caçando putas. A parte baixa de Ponta Negra anda decadente, me conta mais tarde o amigo Marcello, entre um uísque e outro. Os natalenses não vão mais lá, preferem outros points. Há uma rua no conjunto Alagamar que hoje concentra os botecos legais.

A antiga Bodega da Praça, na Vila, onde tomávamos cachaça com laranja ao som de violão, hoje é um mercadinho. A casa do saudoso centro cultural Babilônia, onde viveram meus amigos Ayres e Gigliola - hoje na Itália - está abandonada e depredada (passei momentos muito bons ali, a cena me impactou). A Vila dos pescadores, que já foi bucólico refúgio de bichos-grilos, viveu um período de violência ligada ao tráfico. Hoje, pelo que relata a cunhada Andréia, está mais tranquila - os bandidos foram se matando uns aos outros e os estrangeiros continuam comprando terrenos num dos lugares mais bonitos de Natal. Enfim, tudo mudando o tempo todo, como manda a lei da vida.

Em duas décadas a ingenuidade provinciana deu lugar ao turismo internacional, ultra-profissional ("faça sua reserva e entregamos sua encomenda no hotel", anuncia cartaz na loja de cachaças finas). Já foi bem maior o movimento. O turismo estrangeiro em Natal caiu 75% por causa do real forte, diz um jornal local. No alto de Ponta Negra, prédios de vinte e tantos andares rasgam a paisagem. Dezenas de pousadas, hotéis, locadoras de carros. Um xopin com sete cinemas. Um xopin só com "artesanato potiguar" - boa parte trazida do Ceará, que eu sei. Pra onde vai toda essa merda de tanta gente? Pelo que me contaram, há uma estação de tratamento de esgoto no bairro, mas em dias de chuva forte, a bostarada toda escoa pro mar.

Ah, o mar de Ponta Negra... Continua lindo, verde claro em dias de sol, cor de esmeralda em dias nublados de "inverno" como ontem. A brisa que sopra do oceano continua presente, deliciosa, perene. Os barquinhos de pesca continuam ali, ancorados perto da enorme duna de areia, cartão postal que resiste ao tempo. Já são mais de 10h30 e o dia está claro desde as cinco da manhã. Vou andar mais por aí.