Aconteceu faz anos, num tempo em que até a criminalidade era mais ingênua. Conheci o personagem, mas nomes, lugares e datas não importam. No início o negócio parecia bom. Venda de comida congelada no varejo. Começou a ganhar dinheiro e o olho cresceu. Pegou empréstimo em banco, investiu pesado, ampliou o estoque. Mas logo passou a sofrer com a concorrência numerosa e hábil. Quebrou. Endividado, teve a idéia de aplicar sozinho um golpe que viria a ser conhecido como o seqüestro mais burro da crônica policial do estado.
A primeira etapa correu bem. Arrumou uma arma, rendeu um ricaço local e o levou para o cativeiro numa casa dos arredores. A partir daí as trapalhadas se sucederam. Ele escrevia bilhetes de próprio punho nas negociações. Ligava para a família do refém sempre do mesmo telefone público e ficava um tempão conversando - era um sujeito vaidoso e loquaz, não gostava que o interrompessem quando estava falando. Detalhe: o orelhão ficava pertinho do lugar do cativeiro. E mais: estacionou o carro do sequestrado no pátio da frente da casa, com a placa visível a quem passasse pela rua e desse uma olhada pelo portão gradeado.
Chegou o momento decisivo, o pagamento do resgate. Por comodidade, combinou um lugar prático para a entrega do dinheiro: um latão de lixo na calçada da casa da mãe dele. O resultado foi previsível. A polícia o pegou em flagrante. Preso, teve a sorte de não ir direto para a penitenciária, que estava lotada até a tampa. Ficou aguardando julgamento numa casa de detenção provisória, até que um dia conseguiu fugir pela porta da frente - possivelmente depois de generosa doação de sua família aos carcereiros, pois é improvável que um plano de fuga de sua lavra tivesse qualquer chance de êxito.
Livre, num raro lampejo de inteligência, intuiu que sua carreira criminosa não teria futuro. Zarpou para o exterior, onde vive até hoje, casado e com filhos. Se colocar de novo os pés no Brasil, imagino que será condenado a ver filmes policiais e ler romances de Agatha Christie por dez anos até deixar de ser burro. Woody Allen adoraria filmar a vida desse cara.
quarta-feira, 23 de julho de 2008
O aprendiz de criminoso
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