terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Recordações de Quarta-Feira de Cinzas

Já fui bastante ligado em Carnaval. Não em clubes ou em de escolas de samba, e sim na festa de rua. Tenho belas lembranças dos blocos de sujos de Recife e Olinda da minha infância. Meus pais eram carnavalescos ativos e aqueles dias eram de uma deliciosa alegria ingênua. Primeiro, o "esquenta" em casa, com amigos e agregados. Depois saíamos atrás da muvuca nos bairros e no centro histórico. À noite os adultos deixavam as crianças em casa e iam pros bailes a fantasia, então dessa parte não tenho o que contar. Uma brincadeira comum naquele tempo era jogar água nos motoristas que passavam, usando uma espécie de "seringa" feita com um cano de PVC, um cabo de vassoura como êmbolo e um pedaço de borracha (depois foi proibida porque começaram a usar água de sarjeta e mijo, o que às vezes resultava em facadas e tiros, mas isso foi bem depois). O ritmo das bandas de frevo percorrendo a pé as ladeiras de Olinda reverberava em cada célula do corpo. As fantasias impressionavam pela criatividade. Lembro que o número de brigas era mínimo, considerando a quantidade de gente circulando.

Depois, na adolescência, descobri outros carnavais e já preferia me divertir com os amigos. Em fevereiro de 1982, aos 16 anos, fui acampar com meu irmão André e os amigos Marcello, João Augusto e Atamir em Barra de Maxaranguape, uma vila de pescadores no litoral potiguar, a uma hora de Natal. O lugar tradicionalmente pacato virava uma ferveção, tinha até trio elétrico. Andávamos descalços nas ruas de areia branca da vila, tomávamos banho de mar e misturávamos bebidas, pulando de festa em festa, dia e noite. Pra dormir, nos dividíamos: uns numa barraca no acampamento que montamos na praia, outros dentro duma Variant velha e quem sobrasse deitava numa rede no chão fofo ou ia dançar mais um pouco. Ali pertinho, a foz de um rio ladeado de coqueiros. Todos éramos lisos e desajeitados nas artes da paquera, mas tínhamos fígados novinhos e tamanha fome de viver que aquela folia entrou pra nossa história. Rolou até um diário coletivo em que íamos registrando as loucuras e piadas. Até hoje sou amigo desses caras. A gente raramente se vê, mas quando se encontra, é quase como se aquele carnaval tivesse sido ontem.

Depois disso houve vários carnavais, nenhum tão lindo, mas tiveram seu valor (destaques pra Olinda, Floripa e Laguna, em que a alegria caótica das ruas me ajudou a lidar melhor com pequenas e grandes tristezas). Aí o tempo foi passando, vieram os filhos, a preguiça aumentou exponencialmente. O fato de viver no Sul, há mais de duas décadas longe das minhas raízes carnavalescas nordestinas, talvez tenha contribuído pra esse afastamento gradativo. Agora deixo a folia passar ao largo e aproveito pra descansar, pegar praia, botar as leituras em dia. Com uma pontinha de saudosismo pelos meus velhos carnavais, mas sem a ranzinice de achar que "antigamente era melhor". Como diz mestre Paulinho da Viola, meu tempo é hoje. Sem esquecer que o tempo passado "foi um rio que passou em minha vida/e meu coração se deixou levar".