sexta-feira, 14 de agosto de 2009

The fool on the pier



Esta bela foto (clique pra ampliar) foi feita pelo meu amigo Henio Bezerra na Fazenda Graúna, em Monte Alegre, a meia hora de Natal. Pedi e Henio me contou, passo a passo, como chegou ao resultado. A explicação é uma aula de fotografia e ciências.

Inauguro aqui a série Humanos, sobre pessoas admiráveis - do meu ponto de vista como ditador benevolente deste blog, claro. Assim, de vez em quando dou um refresco a vocês, que podem descansar das minhas divagações umbigais. :)
~

Henio: - O que você acha que está vendo?

Eu: - O universo em movimento.

Henio: - Perfeito.

Para tirar uma foto destas a primeira condição sine qua non é utilizar um tripé, pois o obturador ficará aberto por algumas horas, e a câmera tem que ficar estática, absolutamente imóvel. Na realidade eu fiz uma adaptação para a fotografia digital dessa técnica para filme, que não é nova.

Certa vez eu vi em uma revista de fotografia uma foto semelhante: o céu à noite riscado e o chão iluminado. foram duas exposições do mesmo quadro em horas diferentes: na primeira exposição, durante o dia, o fotógrafo cobriu, olhando através do visor, a lente na parte do quadro que aparecia o céu com um cartão preto, de tal forma que aquela parte da película (o céu) não foi exposta à luz. Após o anoitecer, veio a segunda parte quando ele, sem deixar a película avançar para o próximo quadro, efetuou a segunda exposição sobre o mesmo pedaço de filme. Essa segunda exposição durou horas para poder registrar o movimento das estrelas no céu. E assim você tem a foto. Basicamente é esse o conceito.

No meu caso eu fiz uma adaptação dessa técnica, pois a fotografia digital não permite, diretamente na câmera, registrar uma foto sobre a outra:

(1) Primeiramente posicionei a câmera com tripé e utilizei uma bússola para verificar a direção exata do sul e posicionei essa direção em um dos terços do quadro, ficando o outro terço para o píer. O centro de todos os círculos do movimento das estrelas está na mesma direção do eixo sobre o qual a terra gira. Portanto, você pode escolher tanto a direção norte quanto a sul. Quanto mais próximo do equador você estiver, mais baixo esse círculo vai estar. Essa direção tem uma margem de erro de alguns graus (pode chegar até dezenas de graus, dependendo do local) pois nem sempre o norte magnético é igual ao norte geográfico, mas essa variação é desprezível para o nosso propósito. Tirei a primeira foto ao entardecer, quando a luz está mais suave, registrando o quadro completo, inclusive o céu;

(2) esperei anoitecer e iniciei uma seqüencia de fotos, cada uma com uma duração de 3,5 minutos que foi das 18h20 até às 0h20 - hora em que chegaram algumas nuvens e o céu ficou opaco, então decidi interromper. Além disso, a lua começou a nascer e isso acaba com tudo pois esse tipo de foto requer um céu sem lua para dar um bom contraste entre o céu e as estrelas. Com a fotografia digital, não dá para você efetuar uma exposição única de 6 horas, por duas razões: (a) o digital tem uma sensibilidade à luz muito maior que o filme, quando se trata de exposições longas, e um tempo muito longo vai “inundar” sua câmera com muita luz e depois de algum tempo sua foto vai ficar completamente branca; (b) quanto mais tempo você fica, mais “ruído” (noise) é introduzido na imagem. O ruído é toda informação que não faz parte do conteúdo principal e é criada pela imperfeição do circuito elétrico de um sistema. No caso da fotografia isso ocorre pelo aquecimento do sensor em longas exposições ou pelo uso de alto ISO. A seqüência de fotos foi efetuada com a ajuda de um disparador remoto, onde você pode definir quantas fotos quer tirar, e a duração de cada uma;

(3) Então, ao final da exposição, você fica com centenas de fotos de momentos diferentes do céu e com a parte do chão totalmente escura, pois não há luz alguma por perto exceto as luzes dos carros que passaram pela estrada. Então, utilizando o Photoshop, você superpõe todas essas imagens noturnas com uma opção chamada “lighten” onde ele vai pegar a parte mais iluminada de cada quadro e fundir aos outros quadros, permitindo a visualização contígua do movimento das estrelas no céu, resultando em uma única imagem, mas ainda sem a parte de baixo;

(4) por fim, com a primeira foto que tirada durante o dia e, ainda utilizando o Photoshop “cobri” o céu com preto, escurecendo digitalmente essa parte da fotografia; e

(5) finalmente fundi novamente as duas utilizando novamente a opção “lighten” do photoshop.

O resultado é esse que você viu. Quando explico isso algumas pessoas elas dizem: “Ah! Então é uma montagem o que você fez!”. Pessoalmente, eu não gosto de chamar de montagem. Montagem para mim é quando você forja uma imagem inexistente. Com fotografia digital o conceito de montagem pode parecer tênue. Há coisas que são aceitas e outras não.

Olhando assim para a foto eu me lembro de Galileu Galilei que não precisou dessa tecnologia para perceber que não é o universo que gira em torno da terra.

Um abração