Em homenagem ao amigo Marques Casara, aniversariante do Dia da Criança, aí vai uma crônica dele de 2000. É o piloto de uma série que se chamaria Histórias do Brasil Caipira, a ser publicada na revista digital Guru de Viagem - projeto que terminou não saindo da prancheta, por conta do estouro da bolha da internet. Fica a esperança de que essas histórias ressurjam num blog do Casara ou em outro lugar qualquer. Com certeza ele tem muito o que contar.
p.s.: Esta crônica sai do fundo do baú pelas mãos do Rogério Mosimann, pai da ideia do Guru de Viagem e de outras tantas, meu companheiro de aventuras digitais e etílicas no Rio, no Chile e em Floripa.
Viagem sem fim
Coloquei na mochila duas calças, uns três shorts, camisas, um pacote de maços de cigarro, um canivete e fui pra rodoviária começar a viagem mais longa da minha vida. A idéia era sair de Chapecó, interior de Santa Catarina, passar por São Paulo, Mato Grosso, Rondônia, conhecer a Amazônia, ver o encontro das águas no Rio Negro, visitar Belém, tomar umas cervejas em Goiás e estar de volta em 30 dias. Contornar o Brasil, encontrar pessoas, pegar muita carona e gastar o mínimo possível. Nunca mais parei de viajar desde então, 13 anos atrás. Conheci tanta gente que as agendas se perderam pelo caminho. Sobraram recordações, amores, medos e algumas alegrias.
Viajar é percorrer a estrada da vida que risca o horizonte das incertezas. Pra onde vou? Sei lá... Outro dia eu estava sentado na beira de um rio no Vale do Curuçá, interiorzão da Amazônia. O barco que nos levava jazia emborcado no leito lamacento, abatido por um tronco que chegou sem anunciar-se. Eu esperava o resgate, carona que me levasse de volta pra casa. Pensava, olhando as lontras que reclamavam aos gritos da minha presença em seu mundo, que aquela viagem, iniciada há 13 anos, ainda não chegara ao fim. Nunca mais fui o mesmo depois que ajustei as cordas da mochila e dei adeus à namorada, que ficou com o coração na mão e a certeza de que eu nunca voltaria.
As estrelas de leite que iluminam a noite da floresta me tornaram contemplativo e questionador. Quando essas árvores forem devoradas pelos monstros de lata, derem lugar aos arranha-céus do apocalipse, o mundo vai virar de ponta cabeça e a dor do índio será soterrada pelo entulho concreto dos edifícios de areia. Triste sina de nosso povo, que cresceu em tecnologia mas não aprende a respeitar diferenças étnicas e culturais.
O dia clareava sobre a rodoviária quando embarcamos, eu e meu amigo, para essa viagem de um mês que ainda não acabou. O ronco do Scânia de 38 lugares ainda ressoa em algum ponto perdido da memória. Fica mais forte na medida em que puxo pela recordação, recomeço essa viagem pelo Brasil.Se quiser, venha comigo nessa boléia. Troque idéias sobre os temas que vamos encontrar pelo caminho. Uma viagem sem cinto de segurança, repleta de muita aventura e histórias curiosas. Vamos nessa! (05.12.2000)
Marques Casara é jornalista e diretor de documentários. Acha que o Brasil é bem maior do que a gente pensa e por isso, sempre que pode, sai em busca de boas histórias para compartilhar com seus conterrâneos. Trabalhou para grandes revistas e emissoras de televisão. Atualmente, atua na área de projetos da Editora Abril.
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