sexta-feira, 25 de julho de 2008

De ônibus, táxi alternativo, mototáxi e carona

Saí de Natal às 7 horas, debaixo de chuva fina. Foi só o ônibus pegar a estrada e ferrei no sono. Quatro horas depois, chegamos à rodoviária de Mossoró. Segunda cidade do Rio Grande do Norte e arqui-rival da capital potiguar (o que rende um monte de piadas entre os natalenses), a cidade é rica em petróleo e está perto do belo litoral norte do estado, embora fique no interior e tenha clima de sertão. Um dos marcos da história mossoroense é ter repelido à bala o bando de Lampião no tempo do cangaço. Sol de fritar ovo em calçada. Fui me informar sobre as opções de transporte até Russas passando pela nova estrada asfaltada que vai por Baraúna, o que poupa uns 80 km de percurso. Pesado como um jumento de carga - uma mochila nas costas, uma mochilinha de ataque na frente e uma bolsa de pano nos ombros -, andei até o trevo pra Baraúna.

Num boteco da beira da estrada, dois papudinhos mamavam suas doses diárias da branquinha. Me abriguei sob o puxadinho (compreendendo até o fundo da alma o dito popular que se fala aqui quando alguém se despede: "Vá pela sombra"). Um velho simpático com fratura exposta mal curada numa perna me informou que a última van do dia já tinha passado e deu a dica dos carros de aluguel. Então peguei um "táxi alternativo", a gás. Primeiro o lotação deixou duas "moças" no centro de Mossoró. Depois pegamos a estrada: no banco da frente, uma mulher com um bebê; atrás eu e uma senhora, todos sem cinto de segurança e ouvindo um CD de forró. Trinta quilômetros e cinco reais depois, eu estava no mercado público de Baraúna, cidadezinha modorrenta que nem parecia fazer jus à fama de terra de pistolagem. Não havia mais transporte pra Russas.

Depois de assuntar um pouco e tomar um suco de macarujá ultra-açucarado, paguei cinco pilas a um mototáxi pra me levar por 7 km até o posto fiscal na divisa entre Rio Grande do Norte e o Ceará, onde, segundo ele, as chances de uma carona eram maiores. Fomos ambos sem capacete - ele me explicou que a polícia local é altamente desconfiada com motoqueiros que não mostram o rosto. Perguntei sobre os episódios mais recentes de violência em sua simpática cidade. Ele disse que ultimamente estava tudo tranquilo. O último caso tinha ocorrido há três meses, quando a polícia matou quatro assaltantes que fugiam do Ceará num carro roubado. A emboscada fora armada a 200 metros do posto fiscal pra onde estávamos indo. Hmm, lugarzinho animado. Cabelos grisalhos ao vento, com a bagagem precariamente equilibrada na moto, seguimos pelo retão pelo meio da caatinga verde (sim, no tempo das chuvas a caatinga fica linda).

O posto fiscal, no meio do nada, tinha dois pequenos restaurantes ao lado. Num deles comi um prato feito de galinha frita e tomei uma skol gelada enquanto uma senhora e uma mulher se dividiam entre o atendimento à mesa - eu era o único cliente - e um programa de tevê em volume bem alto, em que um cara tentava bater o recorde de segurar motocicletas com cordas, duas motos de cada lado, acelerando pra valer. Moscas, mormaço. Dois gatos magros ficaram me rondando e miando até ganharem restos da galinha. Peguei as mochilas e fui pra beira da estrada pedir carona. Sol assassino, uns 38 graus. Minhas chances de caminhar 45 km com aquele peso e chegar ao destino sem desidratar eram remotas, pensei.

Com os lábios já meio ressecados, continuei estendendo o dedo por uns 20 minutos, até que um caminhoneiro que tinha estacionado pra carimbar os papéis no posto fiscal resolveu me levar. Ele ia no rumo noroeste pra depois pegar a BR-116 rumo sul. Falamos de filhos, lugares, fretes. Do asfalto fino e ruim daquela estrada. Contamos causos, ficamos em silêncio olhando a paisagem e as nuvens enormes em forma de flocos. Me disse que era separado e seus dois meninos moravam com a mãe no Rio de Janeiro. Tentou pegar frete pro Rio e assim visitá-los, mas só tinha pra São Paulo, pra onde estava indo. Contou sobre a pressão dos prazos: tinha vindo de São Paulo a Natal com uma carga de verduras e deram a ele 48 horas pra chegar. Fez em 46, sem dormir. Nos despedimos e desci em frente à pracinha de Russas. Na casa do meu pai, depois de muitos copos de água gelada e um banho gostoso pra tirar a poeira, caí na rede e apaguei por horas.