Na quarta-feira fui conferir os botecos descolados da "rua do Salsa", no conjunto Alagamar (em Ponta Negra), também conhecida como "rua das putas". Nunca tinha visto tanta garota de programa por metro quadrado. De nosso privilegiado posto de observação na mesa de plástico duma calçada de estacionamento (cerva mais barata), víamos os táxis parando pra desembarcar mulheres dos mais variados matizes: das vestidas de vadia, com maquiagem berrante e metade da bunda de fora, às discretas e elegantes, com ar recatado e fivelinha no cabelo. Música dançante e público variado: natalenses, turistas europeus, turistas brasileiros - pra cada perfil, um valor diferente na tabela informal.
No dia anterior, um amigo comentava como seria interessante se uma ong qualquer oferecesse cursos de gestão financeira pras putas. Muitas gastam até R$ 150 por dia com táxi. Se investissem esse dinheiro na compra de um carro em prestações, teriam condição de contratar um motorista pra levá-las pra cima e pra baixo. E ainda sobraria dinheiro pra poupar e ajudar a família. Algumas têm mais tino. A filha de uma ex-empregada nossa, por exemplo, virou garota de programa. Ultimamente passou a manter relação estável com um italiano (agosto é o mês deles aqui). Já viajou à Itália e está estudando o idioma pra se virar melhor por lá. Assim como ela, diversas garotas natalenses que trabalham na noite estão estudando italiano, inglês ou espanhol. Nem sempre o motivo é pecuniário. Também há casos de paixão mútua, choro em despedida e casamentos.
Nesses dias todos que passei em Natal, não percebi um único caso de exploração sexual de crianças e adolescentes. Não digo que não exista, mas o fato é que as campanhas de advertência em hotéis, bares e no aeroporto, somadas à repressão policial, ajudaram a pôr limite na esbórnia. No pico do movimento turístico de estrangeiros, com 20 e tantos vôos semanais vindos da Europa, ocorriam situações constrangedoras. Um homem não podia mais ir ao banheiro e deixar a namorada sozinha na mesa do bar, especialmente se ela tivesse pele escura. Um xopin center precisou tomar medidas duras contra os europeus que assediavam garotas adolescentes na fila do cinema e na praça de alimentação.
A pressão social, o encarecimento do turismo externo e as operações policiais contra quadrilhas estrangeiras que lavavam dinheiro contribuíram pra limitar o turismo sexual a espaços tolerados pela comunidade. Houve também alguns efeitos positivos nesse intercâmbio cultural com os europeus, observou meu amigo durante o passeio pelo calçadão de Ponta Negra. A sociedade natalense largou muitos hábitos conservadores, como o preconceito contra homossexuais. Hoje, dois homens se beijando dentro de um ônibus são encarados com naturalidade pelos natalenses, o que não ocorria até há pouco tempo. Em certo sentido, é o que ocorreu quando as tropas americanas se instalaram aqui durante a segunda guerra: Natal foi uma das primeiras cidades brasileiras onde as mulheres passaram a mascar chicletes, fumar e usar calças compridas.
Uma conclusão inevitável: a profissionalização e a globalização do turismo deveriam ser acompanhadas pelo reconhecimento dos direitos dos profissionais do sexo. Medidas como a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, os programas de apoio socioeducativo, o combate rigoroso à exploração infanto-juvenil, ao lenocínio e à violência contra as mulheres precisam se tornar rotina no planejamento de qualquer cidade turística que leve a atividade a sério. É a atitude mais inteligente a ser tomada pelos gestores de políticas públicas, já que combater a prostituição é como querer agarrar a chuva com os dedos.
sexta-feira, 25 de julho de 2008
Turismo, sexo e intercâmbios culturais
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