terça-feira, 14 de abril de 2009

Trabalhadores da cana (5)

Quinta parte da série de reportagens e entrevistas sobre os impactos socioambientais da atividade sucroalcooleira no Brasil.

ENTREVISTA - André Nassar - Instituto Ícone

“Críticas internacionais se pautam
por interesses protecionistas”

Por Dauro Veras

Criado em 2003, o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Ícone) fornece ao governo brasileiro e ao setor privado estudos e pesquisas aplicadas a comércio e política comercial, principalmente na área da agricultura e do agronegócio. A organização tem desenvolvido diversas simulações a pedido do governo para dar subsídio técnico ao posicionamento do Brasil no G-20, o grupo de países em desenvolvimento cujo foco é a redução dos subsídios aplicados pelos países desenvolvidos.

O engenheiro agrônomo e doutor em economia André Nassar, diretor-geral do Ícone, afirma as pressões internacionais para elevação de padrões trabalhistas no setor sucroalcooleiro se pautam pela desinformação e por interesses protecionistas. Para ele o debate é bem-vindo, mas deve se basear em argumentos qualificados. Nassar acredita que, no caso do Brasil, não existe pressão da cana sobre a produção de alimentos, ao contrário do que ocorre na Índia e na China: "A discussão que acho fundamental para o Brasil é a questão do uso sustentável de terra para produção agrícola".

Segundo ele, as críticas, quando internas, em geral são oriundas do não cumprimento ou da burla da legislação, o que ocorre apenas nos 2% das indústrias do setor sucroalcooleiro que ainda não têm relações de trabalho formalizadas: "Os padrões sociais e trabalhistas dos canaviais seguem a legislação trabalhista em vigor no país, as quais seguem as recomendações e normais da OIT", diz. Nassar enfatiza que o Ícone não representa o setor sucroalcooleiro. Leia a entrevista [realizada em novembro de 2007].

Qual é a sua avaliação sobre as pressões internacionais quanto a padrões trabalhistas para a produção de biocombustíveis?

André Nassar – Da maneira como essas pressões têm sido manifestadas, elas revelam, antes de mais nada, um enorme nível de desinformação sobre o Brasil e, mais ainda, sobre a realidade da produção dos biocombustíveis no nosso país. O Brasil tem a sua legislação trabalhista pautada pelas resoluções e normas da OIT e essa legislação é cumprida pelo setor sucroalcooleiro.

Evidentemente o Brasil, como país pobre e pleno de problemas sociais que é, apresenta um enorme contingente de atividades e setores que efetivamente são problemáticos no cumprimento dessa legislação. Porém esse não é o caso (assim como no resto do mundo) das atividades produtivas de grande porte e dimensão econômica, como a nossa agroindústria do etanol. Basta destacar que no Brasil, onde menos da metade dos empregos são formais de acordo com a legislação trabalhista (carteira assinada e seguridade social) a indústria sucroalcooleira se destaca por apresentar um índice de mais de 98% de trabalhos formalizados de acordo com a legislação trabalhista (em um universo de mais de 400 indústrias processadoras e 40 mil produtores/fornecedores agrícolas).

Eu poderia aceitar a idéia de que as pressões internacionais não são de cunho de protecionista se elas fossem coerentes com o debate sobre condições de trabalho no setor sucroalcooleiro que ocorre atualmente no Brasil. Como este não é o caso, diria que além da desinformação, as pressões podem ser explicadas por interesses protecionistas. Por exemplo, como todos sabemos, se discute no Brasil o sistema de pagamento para o cortador de cana baseado em produtividade. Não me lembro de ter visto qualquer pressão internacional abordando as condições de trabalho nessa perspectiva. A pressão internacional tem sido mais voltada para argumentos do tipo "existência de trabalho escravo" do que baseados em argumentos defendidos pelas organizações de trabalhadores do setor.

Pessoalmente não sou contrário ao debate internacional sobre padrões trabalhistas no setor sucroalcooleiro. Entendo que as pressões internacionais podem ajudar a fazer o tema evoluir aqui no Brasil. No entanto, é fundamental resolver os problemas de desinformação. Entendo temos desenvolvido no Brasil um intenso debate sobre o tema e não vejo como o público internacional possa aprimorar esse debate.

Os empresários do setor sucroalcooleiro têm sido criticados pelos movimentos sociais por causa dos padrões sociais e trabalhistas que vigoram nos canaviais. Até que ponto esta crítica procede? Existe um esforço perceptível para elevar esses padrões?

Nassar – É importante fazermos uma distinção nessa pergunta. Não temos trabalhado nesse assunto dentro do Ícone. Além disso, o Ícone é um instituto de pesquisa que não faz lobby nem advocacy para qualquer setor, inclusive o sucroalcooleiro. Temos acompanhado o debate participando de eventos – inclusive em um organizado pelo Observatório Social – e interagindo, sobretudo, com a Única.

No entanto, nosso discurso é o discurso do lado dos empresários. Como comentei, os padrões sociais e trabalhistas dos canaviais seguem a legislação trabalhista em vigor no país, as quais seguem as recomendações e normais da OIT. As críticas, quando internas, em geral são oriundas do não cumprimento ou da burla da legislação, que, no caso do etanol, como já mencionamos, se restringem a menos de 2% da produção da cana no Brasil.

Os esforços de elevação desses padrões são contínuos e seguem a mesma lógica das demais atividades econômicas de grande porte ligadas ao setor agrícola. Sugiro dar uma olhada no livro do Isaías Macedo que traz análises e comparações sobre os níveis de remuneração do setor, benefícios oferecidos e programas de responsabilidade social. Eu diria que, com exceção dos 2% citados, as usinas cumprem às regras trabalhistas pertinentes ao setor.

No entanto, entendo que há pressões pelos movimentos sociais para aprimorar os padrões indo além das normas trabalhistas, sobretudo nos temas das condições de trabalho e sistema de remuneração do cortador de cana. Acho essas pressões legítimas e acho que o setor está preparado para debater esse assunto. Ou seja, vejo da parte do setor um esforço perceptível em elevar esses padrões. No entanto, temos que lembrar que a colheita mecanizada é um tema que anda em paralelo ao tema do aprimoramento dos padrões sociais e trabalhistas. Assim, vejo que a intensificação da colheita mecanizada vai facilitar a adoção de padrões mais elevados. (...)

Continua

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Usina de cana-de-açúcar no interior de São Paulo. Foto: Dauro Veras