terça-feira, 14 de abril de 2009

Trabalhadores da cana (6)

Sexta parte da série de reportagens e entrevistas sobre os impactos socioambientais da atividade sucroalcooleira no Brasil.

ENTREVISTA: Licio da Costa Raimundo – Facamp

“Brasil precisa exigir benefícios
sociais dos investidores em etanol”

O Brasil comete um erro histórico ao não definir regras que canalizem recursos dos investidores em etanol para o desenvolvimento nacional, diz economista

Entrevista a Dauro Veras

A expansão dos investimentos externos no etanol brasileiro deveria ser acompanhada de contrapartidas sociais, estabelecidas pelo governo por meio de regulamentação ou mesmo tributação. Quem opina é o economista Licio da Costa Raimundo, professor da Facamp (Faculdades de Campinas, SP).

Para ele, o Brasil comete um erro histórico ao não definir regras que canalizem recursos dos investidores em etanol para o desenvolvimento nacional, como, por exemplo, na área de pesquisa tecnológica: “Sem essas regras, o país ficará apenas com os aspectos negativos do processo, como os problemas sociais e ambientais”. [entrevista realizada em junho de 2007]

Na sua opinião, o grande volume de investimentos estrangeiros para a indústria de etanol no Brasil vai se traduzir em avanços trabalhistas, sociais e ambientais?

Licio da Costa Raimundo –
Certamente não. Poucas são as atividades produtivas no Brasil que exploram tanto o trabalhador e que geram tantos malefícios sociais quanto a indústria da cana, em suas várias vertentes. A única mudança sensível a ser observada nos próximos anos, provavelmente, é uma redução na prática das queimadas como fruto da maior mecanização da colheita, o que pode trazer benefícios ambientais. Não obstante, as "práticas" do setor, como, por exemplo, o uso do "triângulo" para medir o volume de cana cortada e suas inconsistências, sempre em prejuízo do trabalhador; a explosão populacional em pequenas cidades que não têm infra-estrutura para tal e os vários problemas sociais que a seguem, como o crescimento da prostituição (infantil, inclusive) e das taxas de homicídio e, finalmente, os danos ambientais de grande envergadura resultantes da larga utilização de herbicidas que possibilitam a antecipação da colheita, por exemplo, vão continuar existindo e provavelmente sendo ampliados com a ampliação do volume de capitais investidos nesse setor.

Por que, na sua avaliação, o Brasil está cometendo um "erro clássico" nas políticas nacionais de desenvolvimento quanto ao etanol?

Licio da Costa Raimundo – Porque não nos organizamos socialmente para receber os efeitos de mudanças no capitalismo mundial que já estavam anunciadas há algum tempo. Aqui no Brasil, a partir dos anos 90, nós cedemos à dominância de uma parceria inusitada: a alta finança e os grupos sociais que melhor representam o atraso. Quem são os investidores que estão despejando milhões e milhões na produção do etanol, hoje? Fundos de investimento, nacionais e estrangeiros. Recebemos, como nação, o impacto deletério (para os interesses do trabalho e do meio ambiente) desses novos atores de braços abertos, sem resistência. Eles chegaram e tomaram conta. Em outros países há resistência, inclusive por parte do Estado. Aqui fomos fracos para resistir, o que é uma aparente contradição com um país potencialmente tão rico como o nosso. (...)

Continua

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Arte + foto: Dauro Veras