sexta-feira, 18 de maio de 2007

Por um acaso

A revista piauí deste mês traz obras da poeta polonesa Wislawa Szymborska, Prêmio Nobel de Literatura em 1996. Seu texto me encantou instantaneamente. Segue um poema que recebi por e-mail da Nilva Bianco e um trecho do discurso à academia sueca quando ela ganhou o Nobel.

POR UM ACASO

Poderia ter acontecido.
Teve que acontecer.
Aconteceu antes. Depois. Mais perto. Mais longe.
Aconteceu, mas não com você.

Você foi salvo pois foi o primeiro.
Você foi salvo pois foi o último.
Porque estava sozinho. Com outros. Na direita. Na esquerda.
Porque chovia. Por causa da sombra.
Por causa do sol.

Você teve sorte, havia uma floresta.
Você teve sorte, não havia árvores.
Você teve sorte, um trilho, um gancho, uma trave, um freio,
um batente, uma curva, um milímetro, um instante.
Você teve sorte, o camelo passou pelo olho da agulha.

Em conseqüência, porque, no entanto, porém.
O que teria acontecido se uma mão, um pé,
a um passo, por um fio
de uma coincidência.

Então você está aí? A salvo, por enquanto, das tormentas em curso?
Um só buraco na rede e você escapou?
Fiquei mudo de surpresa.
Escuta,
como seu coração dispara em mim.
~
(...) O mundo — o que podemos pensar quando estamos apavorados com a sua amplidão e com a nossa própria impotência, ou quando estamos amargurados com a sua indiferença em relação ao sofrimento individual, das pessoas, dos animais e talvez até das plantas (pois por que estamos tão seguros de que as plantas não sentem dor?); o que podemos pensar sobre as suas vastidões penetradas pelos raios de estrelas rodeadas por planetas que apenas começamos a descobrir, planetas já mortos? Simplesmente não sabemos; o que podemos pensar sobre este teatro imensurável para o qual temos ingressos reservados, mas ingressos cujo prazo de validade é risivelmente curto, delimitado como está por duas datas arbitrárias; o que quer que pensemos sobre este mundo — ele é assombroso. (...)