Ana Paula fez um comentário interessante e respondo aqui. On the road é uma história banal? Talvez possa ser vista assim. Acho que nisso está boa parte da força do romance - os acontecimentos narrados são banais e o núcleo ocorre sob a superfície. Os protagonistas fogem da vida previsível e enfadonha da classe média conformista dos anos quarenta e se aventuram pelas estradas em busca do momento presente, em vez de sonhar com a ilusória estabilidade. Aos vinte anos eu faria isso (aliás, fiz); hoje a viagem é outra. Mas a magia simbólica da estrada está lá. Eu a reconheci inteira, porque já a tinha vivido sem palavras em minhas andanças, antes de ler o livro.
Texto pobre? Aqui há um detalhe importante: muito se perde na tradução. Rimas, aliterações, coisas assim. Nada entendo de teoria literária, mas minha impressão é que, mesmo tendo sido escrito em poucas semanas e sob inspiração do instinto (baixou o santo no homem), houve trabalho cerebral deliberado pra aproximar a prosa da poesia. O "fluxo da consciência" tenta reproduzir o fio dos pensamentos à medida que surgem, mas antes de ser colocado no papel, passou por um filtro de talento. Ele fez várias leituras públicas de trechos do livro ao som de jazz. Talvez esse ritmo seja a chave pra pegar carona no ritmo da narrativa, nas suas frases longas, elipses, digressões.
Trama fraca? Disconcordo. A história tem estrutura simples, mas focada na construção de um personagem com vida psicológica e afetiva riquíssima. Dean Moriarty é o miolo do romance, sua razão de ser. Um cara rebelde, irresponsável, hedonista, incoerente, amoroso, maluco, impulsivo, com pitadas de agressividade e sentimento autodestrutivo. Essa grande salada o torna uma espécie de mito aos olhos do narrador - e dos leitores que assim o enxergaram. O mito é construído e parcialmente demolido no desenrolar da narrativa. Mas é isso... Livros, pessoas, cervejas, impossível obter unanimidade, né?
Eu já tinha comentado sobre Vagabundos Iluminados (Dharma Bums), talvez seu melhor romance - On the road ofuscou todos os outros, para desencanto do autor. Lembrei de outro interessante que li há anos: Big Sur. É uma viagem de delirium tremens durante um isolamento voluntário do protagonista como guarda de um parque florestal na Califórnia. Nada muito brilhante, mas tem trechos bons. Vale conferir.