quinta-feira, 30 de abril de 2009

A gripe suína e o poder da indústria pecuária


Estátua na entrada da cidade de Xavantina (SC), que se orgulha de ter a maior concentração de suínos per capita do mundo. Foto: Chico Faganello.

Pra quem tem interesse em saber o que está por trás da origem da gripe suína, recomendo a leitura de um artigo de Mike Davis, professor no departamento de História da Universidade da Califórnia e especialista nas relações entre urbanismo e meio ambiente. O texto foi publicado dia 27 no Guardian e sua tradução em português, por Katarina Peixoto, está no Carta Maior. Davis alerta para os riscos da industrialização empresarial da pecuária:
Em 1965, havia nos EUA 53 milhões de porcos espalhados entre mais de um milhão de granjas. Hoje, 65 milhões de porcos concentram-se em 65 mil instalações. Isso significou passar das antiquadas pocilgas a gigantescos infernos fecais nos quais, entre esterco e sob um calor sufocante, prontos a intercambiar agentes patógenos à velocidade de um raio, amontoam-se dezenas de milhares de animais com sistemas imunológicos debilitados. Cientistas advertem sobre o perigo das granjas industriais: a contínua circulação de vírus nestes ambientes aumenta as oportunidades de aparição de novos vírus mais eficientes na transmissão entre humanos. (...)
Coincidentemente, esta semana o videodocumentário Espírito de Porco, que Chico Faganello e eu dirigimos (com recursos do Prêmio Cinemateca Catarinense), foi finalizado e entregue à Fundação Catarinense de Cultura. Entre as questões levantadas pelo filme está o confinamento na criação industrial, que tem reflexos no bem-estar dos suínos e, por tabela, dos humanos, na água, no solo e no ar ("é o cheiro do dinheiro", brincam alguns moradores do Oeste do estado, naqueles dias quentes em que a merda de porco é captada pelo olfato a quilômetros de distância).

Santa Catarina tem uma das maiores concentrações de suínos do mundo - o rebanho supera as 50 milhões de cabeças, ou dez porcos para cada habitante. Por motivos econômicos, governo e indústria têm se esforçado em disseminar a ideia de que o problema não tem nada a ver conosco. Mas os alertas vindos de todo o planeta indicam que seria sensato pensar grande e com visão de longo prazo, isto é, fazer uma reflexão profunda sobre a validade do atual modelo de produção de carne. Nosso documentário não tem respostas prontas, quer mesmo é estimular o debate. Em breve vamos exibi-lo ao público, primeiro no oeste de Santa Catarina e depois em Florianópolis e festivais.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Informações sobre gripe suína


Bem boa esta matéria do Bom Dia Brasil, da Globo, sobre a gripe suína, e também a série de perguntas e respostas sobre o risco e a prevenção, publicada no portal G1. Reportagens esclarecedoras e sem alarmismo.
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Cesar Valente citou no De Olho na Capital o saite que dois cientistas criaram voluntariamente no dia 27 com informações em português sobre prevenção, tratamento e contenção. É bem fundamentado e referenciado, mas aplicável somente SE a gripe chegar por aqui botando pra quebrar, como já ocorre no México.
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Nessas orientações do doutor em epidemiologia Wladimir J. Alonso e da doutora em zoologia e profissional de TI Cynthia Schuck-Paim, me chamou a atenção uma divergência quanto à recomendação de duas fontes com bastante credibilidade:

* Nota: nós respeitosamente discordamos da recomendação de alguns órgãos (como o Center of Diseases Control dos EUA e o Ministério de Saúde do Brasil) que pessoas com suspeita de gripe suína devam "Procurar assistência médica na unidade de saúde mais próxima". Dado o potencial pandêmico desta cepa viral, é fundamental que suspeitos de terem esta doença evitem circular por locais públicos. Casos suspeitos deveriam ser comunicados por telefone, através do qual instruções de contenção seriam repassados ao paciente e pessoas próximas, e imediatamente uma equipe com equipamentos adequados de biosegurança se deslocaria ao local. Este tipo de medida é fundamental principalmente no primeiro estágio de propagação.
O que eles dizem parece fazer sentido. Mas, sem qualquer condição de opinar sobre a polêmica (que não é detalhe bobo, pois pode envolver a diferença entre a vida e a morte de muita gente), cá fico em minha ignorância, agora ligeiramente reduzida com a leitura desse material todo.

terça-feira, 28 de abril de 2009

A farra continua

"Câmara paga passagens para ex-deputados". Tá no Congresso em Foco, site noticioso online que primeiro levantou a treta e foi repercutido por toda a grande mídia. A série é de autoria do meu amigo Lúcio Lambranho (ex-aluno do curso de jornalismo da UFSC, onde nos conhecemos) junto com Edson Sardinha e Eduardo Militão. Na lista de ex-deputados que utilizaram a mamata, nomes como o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, o ex-ministro dos Esportes Agnelo Queiroz (PT-DF), o atual vice-governador de Mato Grosso do Sul, Murilo Zauith (DEM), e o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP).

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Gripe suína

27 de abril, efemérides

Hoje é aniversário do amigão Raul Ribeiro, que rima com Rio de Janeiro. E ontem foi o do mano Leonardo Camillo, a voz do mestre Shifu em Kung-Fu Panda, entre outras. Parabéns pros dois!

Outra anotação pra data de hoje: coloquei aparelho nos dentes. Espero retirar bem antes dos três anos de prazo máximo previsto. Tou me sentindo um cavalo velho de cabresto.

domingo, 26 de abril de 2009

Sara Tavares



Suingue português com tempero caboverdiano: Sara Tavares, no álbum Balancé.
[dica de @saritabastos]

Nova biblioteca em Floripa

Boa notícia pra Floripa: o Sesc da Prainha abriu uma biblioteca com computadores novos conectados à internet banda larga, jornais e revistas, seção infantil e, o mais importante, acervo de qualidade. Ela é relativamente pequena, mas moderna e climatizada. Numa passada rápida pelas estantes, vi que poderia passar um bom par de anos mergulhado ali dentro antes de terminar a leitura das obras que me interessaram. Já estou de olho nuns livros de Nelson Rodrigues, Isabel Allende, José Saramago e Stephen King. No item conforto, seria muito legal se houvesse uns pufes e almofadões pelos cantos, mas já tá de bom tamanho pra começar.

A Bilica - Biblioteca Livre do Campeche - e a Barca dos Livros, na Lagoa da Conceição, são outros dois belos espaços públicos que lutam pra sobreviver na base do voluntariado e mecenato, em meio à indigência cultural a que os catarinenses são submetidos pelo poder público. Se você tiver livros parados em casa e quiser fazer a boa ação do dia, dê uma passadinha nesses lugares, aproveite o ambiente e faça sua doação. A Bilica fica na avenida Campeche, ao lado da videolocadora Bela Arte, esquina em frente ao Ateliê da Arteira, um pouco depois do mercado Dezimas no sentido Campeche-Lagoa, à mão esquerda. A Barca dos Livros está no centrinho da Lagoa, perto do ancoradouro de barcos. Em breve o café do térreo vai reabrir com delícias da culinária mineira.

Brinquedos feitos a mão

Passamos algumas horas gostosas hoje no Sesc da Prainha [Floripa] num evento voltado pra crianças e pais. Exposições e oficinas mostraram como as crianças de vários lugares do Brasil se divertem fabricando seus próprios briquedos: dos clássicos pião, perna-de-pau, peteca, arco-e-flecha e origami a outros que eu não conhecia ainda, como espingardinha de bambu. Não é preciso de muita coisa pra fazer um brinquedo. Caixinhas de fósforos e tampas de garrafa já são o suficiente pra montar carrinhos. Galhos com forquilhas já rendem uma brincadeira divertida, parecida com cabo-de-guerra, em que duas crianças disputam o território puxando cada qual o seu galho enganchado no galho do outro. Vimos também um divertido show de cinco contadores de histórias em pernas-de-pau. Saímos com dois paraquedas montados na hora com pedaços de plástico, barbante, fita adesiva e pedrinhas.

sábado, 25 de abril de 2009

Sem palavras

Minha amiga Kátia Klock estreia este mês seu videodocumentário Sem palavras, sobre as dificuldades que os descendentes de alemães em Santa Catarina enfrentaram durante a Segunda Guerra Mundial. O projeto do vídeo foi premiado pelo edital Cinemateca Catarinense, da Fundação Catarinensde de Cultura. Ainda não tive a oportunidade de conferir, mas pelo que conheço do trabalho e do talento dela, vem coisa muito boa por aí.

O documentário vai ser exibido nos dias 27 e 28 às 19h30 em Pomerode (Clube Pomerode); dia 29 às 19h30 Joinville (Cidadela Cultural Antarctica); dia 30 às 19h30 e 20h30 em Blumenau (Auditório Edith Gaertner, FCB) nos dias 7 (20h) e 8 de maio (13h) em Florianópolis, respectivamente no Centro Integrado de Cultura e no III Simpósio de Imigração e Cultura Alemãs da Grande Florianópolis (Auditório do Tribunal de Contas do Estado).
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@VanSchultz me disse que o bisavô dela precisou enterrar um baú com livros escritos em alemão, pra não ter que queimá-los. Ela já viu o filme e gostou.

Clique na imagem pra vê-la ampliada.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O portão da praia

O portão da praia é o romance in-progress da Regininha Carvalho, que ela resolveu compartilhar com os leitores à medida que escreve. Dois capítulos já estão no novo blog, aberto a comentários moderados. Bela ideia, Regininha! A primeira frase:

A casa é a velha casa de sua família, e tem acompanhado gerações e mais gerações dos Vieira desde que chegaram dos Açores.

Liga, roda, clica

Da Laura, no blog Leiturama:

Fazia um tempinho que eu não lia nada muito acadêmico e em fevereiro peguei para ler o livro Liga, roda, clica, organizado pelas amigas Gilka Girardello e Monica Fantim.

São 12 artigos que tratam das relações entre a criança e as novas tecnologias. O que me chamou atenção foi:

- Estação Memória: projeto interessante em SP, em que em entrevistas idosos contam a história do bairro e de sua infância, compartilhando com as novas gerações.

- Como todos nós, os educadores estão um pouco perplexos e não sabem direito o que fazer e como entender sobre a relação das crianças com o computador.

- Fiquei um pouco perturbada com a declaração da Bebel de que a escola, que antes era o espaço do saber, luta para manter um espaço de relevância.

- Gilka nos lembra: jogos violentos e muito realistas não ajudam a estimular a imaginação.

- Em um artigo sobre como as crianças retratam o corpo, Ingrid conta de uma menina que tinha fixação em se manter magra. Detalhe: a menina não era gorda e tinha apenas 5 anos.

O livro não se propõe a oferecer respostas prontas. Não é nada do tipo o que fazer, como fazer. Mas vez ou outra dá para pescar recados interessantes, do tipo: mediar a relação das crianças com a tecnologia é uma tarefa de todos - da escola, da família, de todos nós. Para isso, é preciso que a gente mesmo comece a usar e descobrir coisas legais. Outro recado: vale muito a pena procurar experiências off-line, que ampliem cada vez mais a diversidade cultural das crianças.

Para finalizar, aí vai um vídeo bem bacana do TED "Escolas matam a criatividade?":





quinta-feira, 23 de abril de 2009

Lagoa do Peri

Lagoa do Peri
Bruno na Lagoa do Peri. Floripa, outono/09. Foto com celular.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Lagoinha do Leste no feriado


Depois de quatro meses de ensaios e cancelamentos, ontem (re)fiz a trilha da Lagoinha do Leste pelo costão, junto com a seleta companhia dos blogueiros Maurício "Vida de Frila" Oliveira, Laurinho "Meleca Verde" e Carlito "O Blog C" Costa. Ligeiros no teclado, Carlito e Laurinho já blogaram seus relatos - tem até mapa do trajeto. Andamos mais ou menos dez quilômetros entre a praia do Matadeiro, a Lagoinha e a praia do Pântano do Sul, incluindo um trecho pela estrada até passar um ônibus que nos levou ao carro do Carlito na Armação.

A trilha começou em torno das 9h30 com uma cerveja estupidamente gelada num barzinho na praia do Matadeiro, enquanto esperávamos o retardatário do Blog C (e outra gelada quando ele chegou). Pelo caminho, mato fechado, depois costão rochoso e descampado, plantas espinhentas, fontes dágua e o visual estupefaciante do mar. Pudemos ver que a parte leste da Ilha do Campeche tava coalhada de barquinhos de pesca, uns 29 ou 30 - há controvérsias pois não houve avaliação oficial da PM. À medida que avançávamos, o papo animado, cheio de tiradas maldosas ("uma vez vi o Fernando Marcondes de Mattos rondando por aqui, fiquei apavorado"; "o Frank não quis vir, vamos chamar ele pra jogar dominó"), trocadilhos infames ("pra fazer essa trilha tem que ser cabrito, o Carlito tá quase lá") e imitações grotescas de aves da floresta foi cedendo espaço pro silêncio contemplativo e ofegante. Laurinho, que agora é escoteiro, liderou a fila boa parte do tempo.

O tempo nublado, com temperatura amena e sem vento, nos favoreceu bastante, exceto na hora das fotos, que perderam muito do colorido, e do mergulho na lagoinha - Carlito e eu ficamos de espectadores e tirei uma boa soneca enquanto Maurício e Laurinho agitavam na água fria. A Lagoinha do Leste continua confirmando a fama. Recentemente foi incluída com justiça pelo Guardian na lista das 10 praias mais bonitas do Brasil. Pena que esse lindo presente da natureza seja tão maltratado por alguns visitantes estúpidos, que deixam garrafas e sacos plásticos, embalagens de biscoito e outras sujeiras. Encerramos a aventura com uma deliciosa tainha assada no restaurante Mandala, no Pântano. Cansaço gostoso e uma noite de sono das mais tranquilas dos últimos tempos. Hora dessas tem mais.

Alguns cliques

Anotação de leitura: a Amazônia é o homem

Do excelente blog do fotógrafo Pedro Martinelli:

... Nossas crianças aprendem sobre a fauna e flora como se todos os bichos estivessem num zoológico distante como a Disney. Falamos sobre os índios, nosso clichê exótico favorito, mas não é legal dizer que as crianças foram criadas comendo tartaruga e veadinhos. Que as araras são flexadas na asa para não morrer e virar uma fornecedora de penas para fazer cocás magníficos que a gente fotografa sem cansar.

É uma pena porque são belas histórias, verdadeiras, que ajudariam muito a entender melhor aquele mundo pouco compreendido. Se as crianças desde lado do país soubessem que indiozinhos e caboclinhos não tem padaria, supermercado ou açougue para comprar seus alimentos estariamos garantindo, pelo menos, encontros e conversas sem discriminação no futuro.

Diálogo nonsense sobre a recessão e os coalas

- How much does it cost to buy a koala in Australia?

- Due to the global financial recession, they are very cheap right now. If you give me your bank account details I can buy you a dozen. :-)

Tks Aidan Doyle.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Na corda bamba

Man on Wire é um relato extraordinário sobre um homem estraordinário: o filme conta a história do francês Philippe Petit, que em agosto de 1974 atravessou o topo das torres gêmeas do World Trade Center numa corda bamba. Lindo, arrepiante e comovente. Os bastidores dos seis anos de preparação são recontados pelos parceiros na aventura, por testemunhas e pelo próprio Petit, de maneira expressiva e apaixonada. Man on Wire ganhou o Oscar de melhor documentário em 2008.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

O lobo e o porco


Muito boa essa animação stop motion dirigida por Takeuchi Taijin. Ele usou 1.300 fotos impressas pra montar a história de 3 minutos e 55 segundos.

domingo, 19 de abril de 2009

sábado, 18 de abril de 2009

Dois jingles do tempo da República Velha

Florianópolis, cidade linda, de nome tão feio, como quem mora aqui já sabe (ou devia), foi batizada assim em 1894 como homenagem de um deputado puxa-saco ao presidente Floriano Peixoto - então ainda bem vivo -, depois que ele mandou abafar a Revolução Federalista ao custo de quase 200 fuzilamentos na Fortaleza de Anhatomirim. Li hoje uma historinha jocosa também ligada ao nome do marechal. A fonte é a biografia Rubem Braga: um cigano fazendeiro do ar, de Marco Antonio de Carvalho. Braga a ouviu na infância, de um parente mais velho, e anos depois contou ao sobrinho Edson, que a revelou ao biógrafo:

Na campanha presidencial que colocou Floriano contra Custódio de Melo, em 1890, os partidários de Melo cantavam, nas ruas: "Floriano, Floriano, que nome horrendo/ começa cheirando, acaba fedendo". Mas seus adversários respondiam no mesmo tom: "Custódio, Custódio, que nome tens tu! / Acaba com ódio, começa com cu!"

Miguelices: plantas úteis

A pergunta do dia é:
- Planta carnívora serve pra apontar lápis?

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Frank em dose dupla





As férias e o nascimento da Alice lhe fizeram muito bem, moço.


Autoretrato e rede 1, originally uploaded by dveras.


Rede 5, originally uploaded by dveras.


Rede 6, originally uploaded by dveras.

Uma sequência de fotos de rede é bem adequada à véspera de feriado ;)


Rede 1, originally uploaded by dveras.

Recuerdos do chorinho do Rio

Escrevi o post sobre o choro lembrando do Raul, nosso amigo carioca que é assíduo frequentador dos shows de sábado na pracinha da General Glicério. Eu tinha certeza que ele ia comentar. E fez, lembrando também do pastel com caldo de cana. :) Um recuerdo sinestésico (som + sabor + cheiro).

Rede 3


Rede 3, originally uploaded by dveras.

Pedro e o Choro

Adri Canan tá divulgando um livro-cd infantil muito bonito: Pedro e o Choro: uma viagem pela música popular brasileira. A primeira edição está sendo quase toda distribuída de graça a professores.
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O choro me traz boas lembranças dos tempos de Rio. Um dos programas que a gente curtia muito no sábado de manhã era ir à pracinha da rua General Glicério, em Laranjeiras, ouvir os músicos tocando ao vivo.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Rede nova


Rede 2, originally uploaded by dveras.

Comprei esta rede na última viagem ao Ceará, em julho, mas ela ainda não foi inaugurada. Pelo menos, não pra deitar. No domingo fiz uma sessão de cliques ao pôr-do-sol pra capturar texturas - uma das minhas manias de fotógrafo.

M de miguelice

Dever de casa do Miguel: recortar e colar palavras e figuras que comecem com M. Escolheu "mundo", "melhor", "mar", "macaco" e "mcdonald's".
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Comentário da @ladyrasta no twitter:'"Quando meu filho começou na escola veio contar que a professora colocava 'tipo um símbolo da Nike' ao lado das respostas certas!"

terça-feira, 14 de abril de 2009

Trabalhadores da cana (6)

Sexta parte da série de reportagens e entrevistas sobre os impactos socioambientais da atividade sucroalcooleira no Brasil.

ENTREVISTA: Licio da Costa Raimundo – Facamp

“Brasil precisa exigir benefícios
sociais dos investidores em etanol”

O Brasil comete um erro histórico ao não definir regras que canalizem recursos dos investidores em etanol para o desenvolvimento nacional, diz economista

Entrevista a Dauro Veras

A expansão dos investimentos externos no etanol brasileiro deveria ser acompanhada de contrapartidas sociais, estabelecidas pelo governo por meio de regulamentação ou mesmo tributação. Quem opina é o economista Licio da Costa Raimundo, professor da Facamp (Faculdades de Campinas, SP).

Para ele, o Brasil comete um erro histórico ao não definir regras que canalizem recursos dos investidores em etanol para o desenvolvimento nacional, como, por exemplo, na área de pesquisa tecnológica: “Sem essas regras, o país ficará apenas com os aspectos negativos do processo, como os problemas sociais e ambientais”. [entrevista realizada em junho de 2007]

Na sua opinião, o grande volume de investimentos estrangeiros para a indústria de etanol no Brasil vai se traduzir em avanços trabalhistas, sociais e ambientais?

Licio da Costa Raimundo –
Certamente não. Poucas são as atividades produtivas no Brasil que exploram tanto o trabalhador e que geram tantos malefícios sociais quanto a indústria da cana, em suas várias vertentes. A única mudança sensível a ser observada nos próximos anos, provavelmente, é uma redução na prática das queimadas como fruto da maior mecanização da colheita, o que pode trazer benefícios ambientais. Não obstante, as "práticas" do setor, como, por exemplo, o uso do "triângulo" para medir o volume de cana cortada e suas inconsistências, sempre em prejuízo do trabalhador; a explosão populacional em pequenas cidades que não têm infra-estrutura para tal e os vários problemas sociais que a seguem, como o crescimento da prostituição (infantil, inclusive) e das taxas de homicídio e, finalmente, os danos ambientais de grande envergadura resultantes da larga utilização de herbicidas que possibilitam a antecipação da colheita, por exemplo, vão continuar existindo e provavelmente sendo ampliados com a ampliação do volume de capitais investidos nesse setor.

Por que, na sua avaliação, o Brasil está cometendo um "erro clássico" nas políticas nacionais de desenvolvimento quanto ao etanol?

Licio da Costa Raimundo – Porque não nos organizamos socialmente para receber os efeitos de mudanças no capitalismo mundial que já estavam anunciadas há algum tempo. Aqui no Brasil, a partir dos anos 90, nós cedemos à dominância de uma parceria inusitada: a alta finança e os grupos sociais que melhor representam o atraso. Quem são os investidores que estão despejando milhões e milhões na produção do etanol, hoje? Fundos de investimento, nacionais e estrangeiros. Recebemos, como nação, o impacto deletério (para os interesses do trabalho e do meio ambiente) desses novos atores de braços abertos, sem resistência. Eles chegaram e tomaram conta. Em outros países há resistência, inclusive por parte do Estado. Aqui fomos fracos para resistir, o que é uma aparente contradição com um país potencialmente tão rico como o nosso. (...)

Continua

Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4
Parte 5

Arte + foto: Dauro Veras

Trabalhadores da cana (5)

Quinta parte da série de reportagens e entrevistas sobre os impactos socioambientais da atividade sucroalcooleira no Brasil.

ENTREVISTA - André Nassar - Instituto Ícone

“Críticas internacionais se pautam
por interesses protecionistas”

Por Dauro Veras

Criado em 2003, o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Ícone) fornece ao governo brasileiro e ao setor privado estudos e pesquisas aplicadas a comércio e política comercial, principalmente na área da agricultura e do agronegócio. A organização tem desenvolvido diversas simulações a pedido do governo para dar subsídio técnico ao posicionamento do Brasil no G-20, o grupo de países em desenvolvimento cujo foco é a redução dos subsídios aplicados pelos países desenvolvidos.

O engenheiro agrônomo e doutor em economia André Nassar, diretor-geral do Ícone, afirma as pressões internacionais para elevação de padrões trabalhistas no setor sucroalcooleiro se pautam pela desinformação e por interesses protecionistas. Para ele o debate é bem-vindo, mas deve se basear em argumentos qualificados. Nassar acredita que, no caso do Brasil, não existe pressão da cana sobre a produção de alimentos, ao contrário do que ocorre na Índia e na China: "A discussão que acho fundamental para o Brasil é a questão do uso sustentável de terra para produção agrícola".

Segundo ele, as críticas, quando internas, em geral são oriundas do não cumprimento ou da burla da legislação, o que ocorre apenas nos 2% das indústrias do setor sucroalcooleiro que ainda não têm relações de trabalho formalizadas: "Os padrões sociais e trabalhistas dos canaviais seguem a legislação trabalhista em vigor no país, as quais seguem as recomendações e normais da OIT", diz. Nassar enfatiza que o Ícone não representa o setor sucroalcooleiro. Leia a entrevista [realizada em novembro de 2007].

Qual é a sua avaliação sobre as pressões internacionais quanto a padrões trabalhistas para a produção de biocombustíveis?

André Nassar – Da maneira como essas pressões têm sido manifestadas, elas revelam, antes de mais nada, um enorme nível de desinformação sobre o Brasil e, mais ainda, sobre a realidade da produção dos biocombustíveis no nosso país. O Brasil tem a sua legislação trabalhista pautada pelas resoluções e normas da OIT e essa legislação é cumprida pelo setor sucroalcooleiro.

Evidentemente o Brasil, como país pobre e pleno de problemas sociais que é, apresenta um enorme contingente de atividades e setores que efetivamente são problemáticos no cumprimento dessa legislação. Porém esse não é o caso (assim como no resto do mundo) das atividades produtivas de grande porte e dimensão econômica, como a nossa agroindústria do etanol. Basta destacar que no Brasil, onde menos da metade dos empregos são formais de acordo com a legislação trabalhista (carteira assinada e seguridade social) a indústria sucroalcooleira se destaca por apresentar um índice de mais de 98% de trabalhos formalizados de acordo com a legislação trabalhista (em um universo de mais de 400 indústrias processadoras e 40 mil produtores/fornecedores agrícolas).

Eu poderia aceitar a idéia de que as pressões internacionais não são de cunho de protecionista se elas fossem coerentes com o debate sobre condições de trabalho no setor sucroalcooleiro que ocorre atualmente no Brasil. Como este não é o caso, diria que além da desinformação, as pressões podem ser explicadas por interesses protecionistas. Por exemplo, como todos sabemos, se discute no Brasil o sistema de pagamento para o cortador de cana baseado em produtividade. Não me lembro de ter visto qualquer pressão internacional abordando as condições de trabalho nessa perspectiva. A pressão internacional tem sido mais voltada para argumentos do tipo "existência de trabalho escravo" do que baseados em argumentos defendidos pelas organizações de trabalhadores do setor.

Pessoalmente não sou contrário ao debate internacional sobre padrões trabalhistas no setor sucroalcooleiro. Entendo que as pressões internacionais podem ajudar a fazer o tema evoluir aqui no Brasil. No entanto, é fundamental resolver os problemas de desinformação. Entendo temos desenvolvido no Brasil um intenso debate sobre o tema e não vejo como o público internacional possa aprimorar esse debate.

Os empresários do setor sucroalcooleiro têm sido criticados pelos movimentos sociais por causa dos padrões sociais e trabalhistas que vigoram nos canaviais. Até que ponto esta crítica procede? Existe um esforço perceptível para elevar esses padrões?

Nassar – É importante fazermos uma distinção nessa pergunta. Não temos trabalhado nesse assunto dentro do Ícone. Além disso, o Ícone é um instituto de pesquisa que não faz lobby nem advocacy para qualquer setor, inclusive o sucroalcooleiro. Temos acompanhado o debate participando de eventos – inclusive em um organizado pelo Observatório Social – e interagindo, sobretudo, com a Única.

No entanto, nosso discurso é o discurso do lado dos empresários. Como comentei, os padrões sociais e trabalhistas dos canaviais seguem a legislação trabalhista em vigor no país, as quais seguem as recomendações e normais da OIT. As críticas, quando internas, em geral são oriundas do não cumprimento ou da burla da legislação, que, no caso do etanol, como já mencionamos, se restringem a menos de 2% da produção da cana no Brasil.

Os esforços de elevação desses padrões são contínuos e seguem a mesma lógica das demais atividades econômicas de grande porte ligadas ao setor agrícola. Sugiro dar uma olhada no livro do Isaías Macedo que traz análises e comparações sobre os níveis de remuneração do setor, benefícios oferecidos e programas de responsabilidade social. Eu diria que, com exceção dos 2% citados, as usinas cumprem às regras trabalhistas pertinentes ao setor.

No entanto, entendo que há pressões pelos movimentos sociais para aprimorar os padrões indo além das normas trabalhistas, sobretudo nos temas das condições de trabalho e sistema de remuneração do cortador de cana. Acho essas pressões legítimas e acho que o setor está preparado para debater esse assunto. Ou seja, vejo da parte do setor um esforço perceptível em elevar esses padrões. No entanto, temos que lembrar que a colheita mecanizada é um tema que anda em paralelo ao tema do aprimoramento dos padrões sociais e trabalhistas. Assim, vejo que a intensificação da colheita mecanizada vai facilitar a adoção de padrões mais elevados. (...)

Continua

Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4

Usina de cana-de-açúcar no interior de São Paulo. Foto: Dauro Veras

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Trabalhadores da cana (4)

Quarta parte da série de reportagens e entrevistas sobre os impactos socioambientais da atividade sucroalcooleira no Brasil.


ENTREVISTA - FRANCISCO ALVES - UFSCar

“Reforma agrária deve ser o
foco dos trabalhadores da cana”

Especialista no setor sucroalcooleiro afirma que a mecanização do setor é inexorável e que é impossível conciliar trabalho por produção com trabalho decente na atividade.

Entrevista a Dauro Veras

O professor Francisco Alves, especialista da UFSCar (Universidade de São Carlos) que há anos pesquisa o setor sucroalcooleiro, defende que a reforma agrária, e não o combate à mecanização, deveria ser o foco principal das reivindicações sindicais dos trabalhadores da cana. Para ele, a mecanização é inexorável e vai descartar cerca de 20% da área total hoje ocupada com cana em São Paulo – o equivalente a mais de 1 milhão de hectares sendo destinado a outros usos agrícolas.

Nesta entrevista, Alves enfatiza que é impossível conciliar trabalho por produção com trabalho decente na cultura da cana-de-açúcar. Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), trabalho decente é aquele exercido de forma digna, sem discriminação de qualquer espécie, em condições de segurança, remunerado de forma adequada, em ambiente seguro, com liberdade, resguardando os laços de sociabilidade e diálogo social, fomentando a eqüidade e valorizando os direitos fundamentais do trabalho.

Seu estudo diz que a mecanização das lavouras de cana no Brasil é inexorável. Que evidências embasam a afirmação?

Francisco Alves – Em primeiro lugar, a mecanização da agricultura tem sido uma tendência inexorável em todas as culturas, haja visto, inclusive, a capacidade imanente da agricultura em produzir superpopulação relativa, em decorrência do avanço do progresso técnico. Como a mecanização do corte é um elemento do progresso técnico da agricultura, não há dúvida que este elemento deverá ser incorporado ao processo de produção. Em segundo lugar, a mecanização do corte de cana já é uma tecnologia disponível em inúmeros países produtores de cana, inclusive a pobre Cuba. Na Austrália a mecanização do corte é da década de 60 e era um item de um programa racista do governo, que ia na direção da "Austrália Branca". Para este programa era fundamental mecanizar o corte de cana de forma a evitar a imigração de trabalhadores não brancos. Em terceiro lugar, o que importa discutir não é a inexorabilidade da tendência à mecanização do corte, e sim o ritmo em que esta se dará. O ritmo de mecanização, ou de modernização, depende de variáveis econômicas e sociais. No caso da Austrália, a variável fundamental foi, como disse, a necessidade de embranquecer o país, que é uma variável social. No caso de São Paulo, a mecanização do corte de cana queimada se deu, na década de 80, pela necessidade de redução do poder de barganha dos trabalhadores, devido ao ciclo de greves da década de 80 (ALVES, 1991). A mecanização de cana crua da década de 90 se deu devido à pressão da sociedade para redução das queimadas de cana. O ritmo de mecanização esmoreceu no final da década de 90 e início da presente década, devido à redução dos salários dos trabalhadores, ao aumento da produtividade do corte manual de cana (de 6 para 12 T/C/H/D), ao baixo poder de barganha dos sindicatos e à crise do setor (1999/2002).

Na sua avaliação, por que algumas lideranças sindicais estão equivocadas quando são contra a mecanização na cana? Qual deveria ser o principal foco de reivindicação do movimento sindical quanto a isso?

Francisco Alves – O equívoco das lideranças sindicais é estarem levantando uma bandeira que leva ao descrédito do movimento. Enquanto a sociedade civil luta contra a poluição e contra um processo de trabalho que aleija e mata os trabalhadores, os sindicatos defendem uma posição anacrônica, que vem da década de 80, dos dissídios coletivos organizados pela quase extinta Fetaesp, contra a mecanização do corte, porque ela causa desemprego. Para mim a questão é que o ritmo de mecanização deve estar atrelado ao ritmo de geração de novos postos de trabalho em substituição aos postos perdidos. A mecanização do corte de cana levará, sem dúvida, ao descarte de áreas hoje ocupadas com cana, mas que só podem ser colhidas manualmente, porque são íngremes, porque são acidentadas, ou porque o regime de propriedade da terra obriga a feitura de talhões não retangulares. Algo como 20% da área total hoje ocupada com cana deverá ser descartada - isto equivale a algo como mais de 1 milhão de hectares em SP sendo destinado a outros usos agrícolas. Portanto a pressão do movimento sindical deveria ser no sentido da ocupação destas áreas disponibilizadas com cana para a reforma agrária, que é a política pública mais barata de geração de trabalho e renda. Parte desta reforma agrária poderia ser feita através do arrendamento destas áreas com opção de compra, tipo leasing, na medida em que parte destas terras pertence a pequenos fornecedores de cana que já arrendam estas terras às usinas. (...)

Continua

Parte 1
Parte 2
Parte 3

domingo, 12 de abril de 2009

Trabalhadores da cana (3)

Terceira parte da série de reportagens e entrevistas sobre os impactos socioambientais da atividade sucroalcooleira no Brasil.


Convenções e acordos coletivos

Os cortadores de cana estão entre os trabalhadores rurais que mais conseguem firmar convenções e acordos coletivos, mas nem sempre isso garante o cumprimento dos seus direitos.

Por Dauro Veras

Existem no Brasil cinco milhões de trabalhadores assalariados rurais, estima a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Eles são o contingente mais explorado e marginalizado entre as pessoas que trabalham na agropecuária. Desse total, em torno de 2 milhões têm postos de trabalho fixo, em que o contrato é por tempo indeterminado. Um milhão e meio de pessoas trabalham pelo menos uma vez por ano entre quatro e oito meses, no período da safra – contrato de safra. Outro 1,5 milhão trabalha em culturas de curta duração, como feijão, milho, tomate, hortifrutigranjeiros e café. Desses, a grande maioria não tem carteira de trabalho assinada e a duração de sua atividade é de no máximo 15 dias. Muitos trabalham em três ou quatro estados ao longo do ano, mudando-se conforme a disponibilidade de vagas em diferentes lavouras.

Nos tratos culturais e na colheita da cana-de-açúcar são empregados em torno de um milhão de assalariados no Brasil, segundo fontes empresariais . É difícil precisar esse número, porque parte dos trabalhadores é empregada de forma clandestina e temporária. Também há variações conforme fatores climáticos, mudanças de remuneração nas demais lavouras e outros fatores. Levantamento de 11 federações vinculadas à Contag nos 11 principais estados produtores apurou cerca de 779 mil trabalhadores empregados nas safras e entressafras.

Paradoxalmente, apesar das frequentes violações de direitos a que estão sujeitos, os cortadores de cana estão entre os poucos segmentos de trabalhadores rurais que conseguem conquistar acordos coletivos. (...)

Continua

Parte 1
Parte 2

Cortador de cana em Guariba, SP. Foto: Dauro Veras

sábado, 11 de abril de 2009

Trabalhadores da cana (2)

Segunda parte da série de reportagens e entrevistas sobre os impactos socioambientais da atividade sucroalcooleira no Brasil.

São Paulo:
modernização e dilapidação

A evolução da tecnologia sucroalcooleira tem provocado efeitos contraditórios; se por um lado traz divisas ao país, por outro tem contribuído para a precarização do trabalho

Por Dauro Veras

A modernização da cultura canavieira no Brasil atinge diversas fases do processo produtivo. Desde a década de 1970, pesquisas na área da biotecnologia têm levado ao aumento nos teores de sacarose, a um melhor controle de pragas e ao prolongamento da vida útil da planta. Grande variedade de produtos químicos também passou a ser utilizada no controle de pragas, doenças e ervas daninhas. Várias empresas aplicam esses produtos utilizando aviões. (1)

Tudo isso tem permitido a elevação da produtividade em torno de 20% por hectare. Alterações genéticas fizeram com que a média passasse de 70 toneladas por hectare para 86,6 em São Paulo. Estima-se que na safra 2007/2008 essa produtividade chegará a 89,5 toneladas por hectare no estado [texto redigido em 2007].

Essa modernização tem provocado efeitos contraditórios, segundo os pesquisadores do setor. Ao mesmo tempo em que gera divisas para o país, também tem pressionado os salários, enfraquecido o movimento sindical e contribuído para o agravamento das condições de trabalho. As mudanças também têm causado efeitos negativos nas condições de saúde – em casos extremos, levando trabalhadores à incapacidade e à morte.

Outros efeitos incluem exclusões de gênero e idade: mulheres e idosos estão sendo eliminados da força de trabalho nos canaviais. O tempo de vida útil de um cortador de cana hoje é de 12 anos – inferior ao do período da escravidão, segundo alguns estudiosos do tema. (2) A pesquisadora Maria Aparecida de Moraes Silva, professora livre docente da Unesp (Universidade Estadual Paulista), afirma que o fenômeno está diretamente ligado à busca de maior produtividade pelas empresas do setor.

Para conseguir ganhar o suficiente, os trabalhadores se obrigam a colher até 15 toneladas por dia e andam até nove quilômetros na jornada. O esforço físico extenuante e repetitivo, a alimentação deficiente e as condições precárias de saúde e segurança no trabalho levam os trabalhadores a ter sérios problemas de coluna, tendinite, câimbras nas pernas, braços e pés. Há denúncias, no estado de São Paulo, de pelo menos duas dezenas de casos extremos, em que ocorreram mortes ligadas ao esforço físico. (...)

Continua

Parte 1

Foto: Trabalhador da cana no interior de São Paulo. Dauro Veras

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Trabalhadores da cana (1)

Começo a publicar hoje uma série de reportagens e entrevistas que fiz a partir de 2004 sobre os trabalhadores da cana-de-açúcar, como parte de um estudo coletivo sobre os impactos socioambientais da atividade sucroalcooleira no Brasil. Esse estudo, realizado por iniciativa da Oxfam e do Instituto Observatório Social, teve circulação limitada. Em função da relevância crescente do tema, decidi compartilhar na internet a parte que me coube, ressalvando que fiz as últimas atualizações em meados de 2007. As opiniões expressas não são necessariamente endossadas por essas duas entidades, às quais sou muito grato pelo apoio.

Os migrantes da cana

Estudos da socióloga Maria Aparecida Moraes Silva, da Unesp, com trabalhadores nos canaviais paulistas, mostram que as indústrias sucroalcooleiras do estado não têm responsabilidade social

Por Dauro Veras

“Zé Pretinho amava a cana. Ele tinha uns 25 a 27 anos. Era um monstro, o melhor cortador da região. Ele chegava a cortar mais de 30 toneladas [por dia] e, no fim, dava um beijo na última cana antes de passar o facão. Um dia ele tava trabalhando e teve um ataque. Vi ele morrer abraçado num feixe de cana. Aquele ali era apaixonado."


(Cortador de cana baiano em uma pensão de Guariba, SP) *

“Um dia, no canavial, tive uma câimbra tão forte que caí. Meus braços ficaram retorcidos de dor. Vomitei e não veio nada, o estômago estava vazio. Fui levado ao hospital pra tomar soro. Depois da terceira dose melhorei e fui pra casa. No dia seguinte ainda estava muito fraco e não fui trabalhar. Mais um dia e eu já estava de volta no canavial.”

(Walter, maranhense, corta cana em Guariba, SP. Vive com a mulher e duas filhas em uma casa alugada de 15 metros quadrados, sem água encanada). *

Eles vêm do Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais, do norte do Paraná e de vários estados do Nordeste. São homens entre 16 e 25 anos, com pouca ou nenhuma escolaridade e sem qualificação profissional. Todos os anos, na safra da cana, milhares – mais de 70 mil na safra 2006, segundo estimativas empresariais – se deslocam de seus municípios de origem para trabalhar por cerca de oito meses no estado de São Paulo. Alguns se deslocam com suas famílias, mas boa parte viaja sozinha, deixando mulher e filhos nos municípios de origem.

Deste do início de 2004 a Pastoral do Migrante da diocese de Jaboticabal (SP) vem realizando trabalhos de apoio aos migrantes temporários em São Paulo. Membros da entidade estiveram em 72 alojamentos encravados em canaviais e mais de 4 mil pensões nas cidades dormitórios. Foram visitados mais de 62 mil migrantes.

Em decorrência da terceirização da mão-de-obra, 64% dos trabalhadores rurais migrantes se encontram em péssimas condições de vida e trabalho, denuncia entidade da Igreja Católica. Mais de 56% dos que chegam ao interior de São Paulo são aliciados por “gatos” – intermediadores de mão-de-obra – em seus locais de origem. Trinta e dois por cento deles receberam adiantamento do “gato” para poderem viajar. Isto é, já chegam aos locais de trabalho com uma dívida.

Há uma ligação estreita entre o processo de modernização e a mobilidade espacial de milhares de pessoas. É o que mostram os estudos desenvolvidos pela socióloga Maria Aparecida Moraes Silva, professora da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos-SP). Há quase três décadas ela trabalha com a temática do trabalhador rural na cana, laranja e café. Ela identifica uma redefinição da cartografia migratória: (...)

Continua

* Depoimentos ao repórter.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

La mirada de Doña Carmen



A Dadivosa já está em Madri, onde vai passar um ano. Agora nós leitores vamos ter o privilégio de acompanhar suas narrativas gastronômico-filosóficas direto da velha Espanha. Num dos primeiros posts ela nos deixa com água na boca ao relatar a visita à Casa Benigna. Adorei essa foto que ela tirou de Doña Carmen, proprietária do restaurante artesanal, com seu olhar perdido no fim de noite.

Túnel do tempo: 13 de novembro de 2007

Um mergulho no baú pra marcar os cem anos do nascimento de John Fante.

À procura da frase perfeita

"Era fim de tarde quando acordei e acendi a luz. Eu me sentia melhor, menos cansado. Fui para a máquina e me sentei diante dela. Minha idéia era escrever uma frase, uma única frase perfeita. Se pudesse escrever uma frase boa, escreveria duas, e se pudesse escrever duas, escreveria três, e se pudesse escrever três, escreveria para sempre. Mas e se eu falhasse? E se eu tivesse perdido meu belo talento? (...) Tinha dezessete dólares na carteira. Dezessete dólares e o medo de escrever."

Arturo Bandini em "Sonhos de Bunker Hill" (John Fante, 1983)

Relato do terremoto e o quadro que não caiu


Foto milagrosa de Chico Canhão.

Meu amigo Ayres, paulistano de nascimento e natalense por paixão, mora há alguns anos em Loreto, na Itália, com a mulher Gigliola e a filha Marina. Ele contou ao Diário de Natal como foi sua experiência de encarar o terremoto, que teve o epicentro não muito longe da sua cidade. A família mora no sexto andar de um edifício.

... Estávamos dormindo e fomos acordados pelo terremoto. Pensei que o prédio inteiro fosse desabar. Deu para sentir que os movimentos iam em duas direções. De um lado para o outro e de cima para baixo. Os quadros que estavam pendurados na parede caíram. A mesa da cozinha saiu do lugar e terminou encostada em uma das paredes. As luzes se apagaram. Vidros se quebraram. Móveis trepidaram. Chamei minha mulher e minha filha para escapar. Foram eternos trinta segundos. ...
Pra mim, Ayres fez um relato mais informal:
Sempre tive horror a terremoto, por isso em 1984 decidi voltar pro Brasil. Cheguei lá e a terra tremeu em Baixa Verde (RN) destruindo um monte de casas. Fui morar perto do Morro do Careca que antigamente se chamava Morro do Estrondo. Uma noite ouvimos um barulho danado. Mas o mar estava calmo: era o velho Morro do Estrondo. Fizemos as malas e viemos pra Itália. Depois de um período tranquilo a terra não para de tremer. Estou pensando em aceitar o convite de uma querida amiga pra ir viver na Califórnia. Penso que lá encontrarei mais estabilidade. Tá decidido. Califórnia ou Japão.
Ele também contou que, no segundo tremor, todos os quadros da parede caíram, exceto um com uma foto de Chico Canhão em um terreiro de umbanda. Ao ouvir minha sugestão de deixar o sexto andar e se mudar pra uma casa, respondeu na lata: "Só quando todos os quadros caírem". E garantiu que pra casa da sogra ele não vai.

terça-feira, 7 de abril de 2009

A elegância da imperfeição

There is an anecdote, told and retold through translated Japanese literature, of a Zen master who is staying with a priest at a temple close to Kyoto. The priest is having guests over that evening, and he has spent much of the day in the garden—shaping the moss, plucking weeds, and gathering up the leaves in tidy arrangements, all in order to achieve the state of perfection the temple builders had originally designed.

“Isn’t it beautiful,” the priest asked the master…

The master nodded. “Yes…your garden is beautiful; but there is something missing…”

The old gentleman walked slowly to a tree growing in the center of a harmonious rock and moss combination. It was autumn and the leaves were dying. All the master had to do was shake the tree a little and the garden was full of leaves again, spread out in haphazard patterns.

“That’s what it needed,” the master said.
Janwillem van de Wetering, The Empty Mirror

[via A List Apart, dica de Fabrício]

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Pra que nojo?

Como "a que tarda, mas não falha" está sendo tema recorrente de hoje, me veio à lembrança um episódio bizarro que presenciei no carnaval de 1982 em Barra de Maxaranguape, RN.

A moça comia um sanduíche quando descobriu um cabelo dentro do pão. Reclamou indignada. E o balconista, uma flor de delicadeza nas relações humanas, saiu com esse consolo filosófico:

- A senhora tá cheia do nojo aí, mas quando morrer vai levar uma pá de terra na cara.

Ela saiu sem dizer nada e eu era o próximo da fila. Desisti do lanche, peguei uma cerveja e fui atrás do trio elétrico, pensando na vida.

"Vida a qualquer preço? Não vale pra mim"

Um belo perfil de uma ciclista que morreu atropelada na avenida Paulista no dia 14 de janeiro. O autor é o jornalista Fausto Salvadori Filho. Seu blog Boteco Sujo traz a versão integral do texto que saiu condensado na revista Criativa.

[ dica do @inagaki ]

UPDATE 8/4: Fausto faz uma retificação:

Na verdade, o post não é "a versão integral que saiu condensada na revista", é o texto da revista com alguns acréscimos pessoais. Eu sei que parece a mesma coisa, mas só não quero dar a impressão de que usei o blog para "vazar" uma versão não editada da matéria.
Ok, Fausto, tá feito o registro. Parabéns pelo texto.

Smile


Smile, Charlie Chaplin , Modern Times, 1936.

Recebi este vídeo agora há pouco do amigo Ayres, que mora em Loreto, não muito longe do epicentro do terremoto que atingiu a Itália na noite passada. Já são mais de 50 mortos.

sábado, 4 de abril de 2009

Hobsbawm, o Brasil e a crise internacional

Boa entrevista do historiador Eric Hobsbawm, na lucidez de seus 92 anos, ao jornal argentino Pagina12. Ele comenta a atuação de Lula, compara a crise econômica internacional à queda do Muro de Berlim e alerta para o crescimento da xenofobia. Trechos:

... América latina es interesante. Yo lo intuyo. Fíjese el país más grande, Brasil. Lula mantuvo algunas líneas de estabilidad económica de Fernando Henrique Cardoso, pero extendió enormemente los servicios sociales y la distribución. Algunos dicen que no es suficiente...

–¿Y usted qué dice?

–Que no es suficiente. Pero que lo que Lula hizo, lo hizo. Y es muy significativo. Lula es el verdadero introductor de la democracia en Brasil. Y nadie lo había hecho nunca en la historia de ese país. Por eso hoy tiene el 70 por ciento de popularidad, a pesar de los problemas previos a las últimas elecciones. Porque en Brasil hay muchos pobres y nadie jamás hizo tantas cosas concretas por ellos, desarrollando a la vez la industria y la exportación de productos elaborados. Aunque la desigualdad sigue siendo horrorosa. Pero hacen falta muchos años para cambiar más las cosas. Muchos.

...

–Usted siempre se definió como un hombre de izquierda. ¿También sigue teniendo confianza en ella?

–Sigo en la izquierda, sin duda con más interés en Marx que en Lenin. Porque seamos sinceros, el socialismo soviético falló. Fue una forma extrema de aplicar la lógica del socialismo, así como el fundamentalismo de mercado fue una forma extrema de aplicación de la lógica del liberalismo económico. Y también falló. La crisis global que comenzó el año pasado es, para la economía de mercado, equivalente a lo que fue la caída del Muro de Berlín en 1989. Por eso me sigue interesando Marx. Como el capitalismo sigue existiendo, el análisis marxista aún es una buena herramienta para analizarlo. Al mismo tiempo, está claro que no solo no es posible sino que no es deseable una economía socialista sin mercado ni una economía en general sin Estado. ...

O nome do DJ

A banda Coletivo Operante lançou ontem o single O nome do DJ. Clique aí e confira no Myspace deles.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Almoço na praia


Domingo de Verão. Pântano do Sul, Floripa.

Os 140 caracteres como desafio pros microcontos

Do blog Twitteratura:

Robson
“Pescaria? Como eu fui deixar a Lu me convencer?” Perguntava-se, enquanto esperava que a isca fosse mordida. Mal sabia que o peixe era ele.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Flush - memórias de um cão

Depois de mais de um ano que peguei emprestado da amiga cachorreira Ana Paula Lückman, finalmente terminei de ler Flush - Memórias de um cão. Esse livro, escrito meio que como divertimento por Virginia Woolf (1882-1941), tornou-se um dos maiores sucessos de público da escritora britânica. É a biografia ficcional de um cocker spaniel pertencente à poeta inglesa Elisabeth Barret Browning. Conta desde a infância dele em Londres até a maturidade e velhice na colorida Itália, pra onde a poeta se mudou com o marido.

Um dos méritos do romance é que ele descreve de maneira bastante vívida os costumes do período vitoriano inglês - e, em contraste com o luxo dos casarões, as condições de indigência dos bairros periféricos de Londres de meados do século 19. Confesso que gostei mais de Niki - a história de um cão, do húngaro Tibor Déry. Mas Flush tem o seu valor e me ajudou a estudar a narrativa pelo ponto de vista não-antropocêntrico, num momento em que eu me dedicava a escrever um roteiro de um documentário suinocêntrico. Acho que os cachorreiros vão gostar.

p.s.: Dos livros "sobre animais" que já li, o mais tocante, disparado, é Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Os últimos momentos da cachorra Baleia são inesquecíveis.

Post publicado também no blog Leiturama.

Balanço trimestral de leitura

Li nove livros no primeiro trimestre de 2009, três por mês. Por enquanto, a média é superior à do ano passado (2,2/mês), mas bem distante da que eu atingia em meus alegres tempos de vagabundagem pelas bibliotecas e sebos. Essa contagem é uma bobaginha estatística, claro - um dos livros tinha mais de 600 páginas, outro era fininho mas devia valer por dois; e outro ainda tinha um trecho chato que me obrigou a fazer uma leitura transversal de várias páginas. Mas é divertido anotar os títulos (estão na coluna da direita do blog), escrever um pouco sobre eles e perseguir a meta de chegar ao fim de 2009 com 50 livros lidos. A ver.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Jornalismo da UFSC, 30 anos

No dia 30 de março o curso de Jornalismo da UFSC comemorou 30 anos. Tive o privilégio de conviver por seis anos intensos - 1986 a 1991 - com um grupo espetacular de pessoas, entre colegas estudantes, professores, funcionários e agregados. Convivência intensa, às vezes conflituosa, como costuma acontecer com gente assertiva e apaixonada pelo que faz, mas sempre enriquecedora. Com leituras densas (sei, podiam ter sido mais), muita ralação e também muita festa - a síntese disso eram os baixamentos do (multipremiado) jornal-laboratório Zero, em que virávamos a madrugada até concluir todas as páginas.

Não pude ir à cerimônia, mas acabo de receber por e-mail o discurso do professor Paulo Brito, um dos pioneiros do curso, com as memórias dessas três décadas. Suas palavras emocionadas me despertam outras lembranças dessa época maravilhosa, cheia de descobertas e alumbramentos com a profissão. O curso de jornalismo despertou meu fascínio pelo cinema, pela fotografia e por outras áreas das ciências humanas. Lá pude contar com a generosidade e paciência de muitos mestres, com anos de estrada e leituras. Ganhei grandes Amigos, com quem convivo até hoje. O curso foi fundamental na minha formação - embora não a única fonte, pois antes fiz dois anos na UFRN, em Natal, e enquanto estudava na UFSC trabalhei como revisor e repórter no jornal O Estado, outra grande escola.

No momento em que escrevo, o Supremo Tribunal Federal debate o fim da exigência do diploma de jornalista pro exercício profissional. Dia de temperatura alta, com debates acirrados. Sou a favor da regulamentação da profissão, pelos argumentos expostos com brilhantismo neste texto do Cesar Valente. "Aquela lenda urbana, segundo a qual jornalismo se aprende fazendo, não se sustenta", diz ele, e assino embaixo. Nas redações falta tempo de reflexão, de debate e aprofundamento. Outra grande falácia é que a regulamentação atentaria contra a "liberdade de expressão". Basta abrir os jornais pra ver como isso é falso. Claro que, pra ser bom jornalista, o diploma não é suficiente. É preciso - citando o César - da "centelha que alumia o tesão". Mas a desregulamentação da profissão não traz qualquer benefício pra sociedade. Pelo contrário, só favorece as grandes empresas de mídia. Aguardemos a decisão do STF.

UPDATE 2/4/09: Sessão adiada pra 15 de abril.