quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Aniversário



Faço 42 hoje. Depois dos 40 - idade em que, quando eu era pequeno, achava que as pessoas ficavam velhas - passei a comemorar todo dia, então é só mais um dia extraordinário. Bem bacana, claro. Agradinhos e gentilezas dos filhos, da mulher, da família e dos amigos. Passei o dia recebendo telefonemas, e-mails, mensagens pelo orkut, twitter, msn. Ligações de Mato Grosso, Ceará, São Paulo, Argentina (valeu broders, sistas, hermanitos! Amo vocês). Almoço especial preparado pela cunhada Cristina - carne seca na moranga.

Dois presentinhos maneiros: a Laura me deu Vale Tudo, livro de Nelson Motta sobre a vida de Tim Maia - faz tempo que tou louco pra ler. Do Carlos ganhei um esperto-fone. Como sou meio lerdo pras tecnologias móveis (e também pra torneiras pingando, curtos-circuitos e origamis), ele tem dado uma força pra configurar o bicho. Já consigo telefonar, jogar sinuca e mandar e-mail. :) O grande presente ainda não chegou: uma notícia do despertar de Augusto no hospital regional de Cáceres. Mas vai chegar. Estamos a cada dia mais perto, tenho certeza.

p.s.: Um link de presente pra você. A ilustração deste post é do cartunista Marcelo de Andrade, que publica no blog É triste viver de humor. Recomendo.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Notícias de Cáceres, boletim de 30 de janeiro

Ontem, pela primeira vez, tivemos dos médicos um prognóstico de tempo de saída do coma de Augusto, embora seja ainda uma estimativa. Há sinais - reflexos, movimentos de membros, olhos e boca - de que ele pode despertar daqui a quatro semanas. Parece uma enormidade de dias a esperar, se a gente levar em conta que ele está inconsciente desde 18 de dezembro. Mas pra quem ainda não tinha qualquer perspectiva concreta de prazo, a notícia é muito animadora.

p.s.: Ele foi operado hoje. Mais uma pequena cirurgia pra drenar o líquido que se acumula sob a membrana dural. O procedimento foi bem sucedido.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Céu na estrada



Estrada em Mato Grosso. 17 de dezembro de 2007.

Fancaria

Fancaria: trabalho grosseiro, ordinário, mal-acabado, diz o Houaiss. Com este nome e o subtítulo "Conhecimento de araque", o amigo e parceiro de profissão Emerson Gasperin lança seu blog. É uma espécie de retomada do Fiambres Gasperin, onde ele republicava uma coluna de jornal. Agora retorna sem o compromisso profissional e sem as amarras da crônica. Cauteloso, avisa que é um blog em permanente versão beta. Em seu primeiro texto, diz por que se rendeu à gratuidade da coisa:

... vejo que quase todos os meus amigos são blogueiros. Eles me instigam, me divertem e me confortam. Também quero viajar nesse balão. No mínimo, para retribuir em primeira pessoa o bem que me fazem.

Era isso ou ficar assistindo ao paredão inaugural do oitavo Big Brother Brasil.

Tomate, como é mais conhecido pelos amigos (ou Tommy Tomaccio no circuito DJ) é arguto observador participante da cultura pop. Devora livros e música. Tem humor sulfúrico e língua sem travas, o que às vezes provoca falsa impressão em quem o encontra pela primeira vez. Na vida real, é extremado marido e pai de família; passeia com o cachorro duas vezes por dia e, enquanto recolhe num saco plástico os comentários que o bichinho faz à administração municipal, inspira-se para escrever sobre os fatos da vida.

Há outro importante atributo a citar sobre este blogueiro recém-chegado: ele tem um dos melhores textos que conheço - se você acompanha este blog desde 2001, sabe que não desperdiço elogio, especialmente esse tipo de elogio. Portanto, não se deixe enganar pela ironia autodepreciativa no nome do blog. Gasperin é um homem que tem algo a dizer. Excepcionalmente, em Fancaria ele não cobra nada por isso. E de brinde ainda compartilha música boa com os leitores.

Revisão de uma lista de modestas intenções

Escrevi esta lista em 3 de janeiro de 2007. Hora de revisar.

Tenho uma só resolução para esse período que convencionamos chamar de ano novo: me tornar uma pessoa melhor. Isso garante tudo o mais. A lista abaixo não é de resoluções, e sim de modestas intenções.

1. Brincar mais com Miguel e Bruno.
Ok. Passei a trabalhar em casa e isso ajudou bastante.

2. Colocar Miguel na natação.
Ok. Foi uma das grandes conquistas do ano passado.

3. Voltar a nadar.
Em vez disso, comecei a praticar ioga. Nota dez.

4. Fotografar mais.
Ok. Comprei um câmera digital simples, mas que dá pro gasto.

5. Estudar Photoshop.
Pouco avanço. Em compensação passei a usar um ótimo editor de imagens gratuito, o Gimp.

6. Plantar mais árvores.
Plantei poucas, reguei muitas.

7. Fazer mais trilhas.
Falhei miseravelmente. Intenção renovada pra 2008. Comecei light, aqui em Rondônia, com uma trilha de 1 km pela floresta em Cacoal.

8. Reencontrar mais amigos.
Ok. Aliás, hoje acabo de reencontrar via Orkut o Atamir, amigo de adolescência lá de Natal, com quem eu não conversava há uns bons 15 anos.

9. Ler no mínimo 50 bons livros.
Não cheguei a contar quantos, mas acho que cumpri.

10. Concluir pendências de 2006.
Que pendências eram essas mesmo? Nada de importante, pelo visto.

p.s.1: Quanto a me tornar uma pessoa melhor, deixo essa avaliação pra quem convive comigo.

p.s.2: Fiz também cinco modestas intenções culinárias, mas o resultado ficou abaixo do esperado: consegui tomar menos café e comer mais verduras, mas não da nossa horta do quintal, que era muito pequena pra atender a demanda e terminou sendo tomada pelo mato.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Mil tsurus

Impressões sobre a angústia da madrugada

Um dia de cada vez. E uma noite no meio. Algumas são bem difíceis, principalmente quando a insônia ataca. Esta madrugada tive mais um flashback do acidente - às vezes isso me vem em sonho, às vezes acordado. O som da freada e do impacto, meus passos enquanto corria pro local, o resgate, as respirações ofegantes - naquelas horas críticas senti a audição ampliada e o tempo em exasperante câmera lenta. Tenho evitado comentar isso, mas o desabafo me ajuda a exorcizar a angústia. Ao olhar direto pros meus medos (= escrever sobre eles), me fortaleço. Espero que assim ajude os que também estejam precisando.

Fui pra sala. Eram três da manhã e abri o livro O carrasco do amor e outras histórias de psicoterapia, do psiquiatra Irvin D. Yalon (autor do excelente Quando Nietzsche chorou). Na introdução, ao abordar as dificuldades do duplo papel de observador e participante, ele cita uma frase que me chega como uma resposta de oráculo:

Ao escolher entrar completamente na vida de cada paciente, eu, o terapeuta, não somente fico exposto às suas mesmas questões existenciais como também devo estar preparado para examiná-las com as mesmas regras de investigação. Devo aceitar que conhecer é melhor do que não conhecer, aventurar-se é melhor do que não se aventurar; e que a magia e a ilusão, por mais magníficas e fascinantes que sejam, no final enfraquecem o espírito humano. Eu encaro com profunda seriedade as poderosas palavras de Thomas Hardy: "Se existe um caminho para o Melhor, ele exige uma visão completa do Pior".
...
Nós, psicoterapeutas, não podemos simplesmente tagarelar com simpatia e exortar os pacientes a se debaterem corajosamente com os seus problemas. Nós não podemos dizer a eles vocês e os seus problemas. Ao contrário, devemos falar de nós e de nossos problemas, pois nossa vida, a nossa existência, estará sempre presa à morte, do amor à perda, da liberdade ao temor e do crescimento à separação. Nós, todos nós, estamos juntos nisso.
As madrugadas insones, os sonhos e também o sono profundo que se segue a eles nos são dados pra que a gente possa lidar sozinho com nossos fantasmas. Sem essas pausas de aguda percepção e também de esquecimento, talvez a realidade se tornasse insuportável.

Depois de um tempo voltei pro quarto e fiquei no escuro, olhando os meninos. Ri sozinho, tinham invertido as posições: Miguel, que adormecera no lado esquerdo do colchão, agora estava no direito, e Bruno tinha passado do lado direito pro esquerdo. Deitei, apaguei e acordei às oito me sentindo bem mais leve. Estamos no caminho para o Melhor.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Informe de Cáceres, 24 de janeiro

Como eu já tinha dito antes, Augusto teve alta da UTI, mas permanece lá aguardando vaga na enfermaria do hospital. Continua inconsciente. Nos últimos dias ele expeliu bastante secreção, mas as radiografias não indicam lesão nos pulmões. Hoje a quantidade de secreção é bem pouca - bom sinal, o corpo está fazendo a limpeza interna. A neurologista que cuidava do caso, doutora Olga, passou mal esta semana: teve um problema cardíaco e até precisou ser internada. Ela entrou de licença e foi substituída pelo marido dela, doutor José Roberto. Espero que ela se recupere logo. Ambos têm excelente reputação profissional e somos muito gratos ao apoio que têm nos dado. Uma nova tomografia foi solicitada pela médica de plantão.

Update 15h: uma segunda cirurgia para drenar o líquido que está sob a membrana dural vai ser realizada entre domingo e terça-feira.

11 metas para jornalistas ainda não conectados

Fiz uma tradução resumida deste artigo de Howard Owens com sugestões de 11 objetivos para os jornalistas ainda pouco familiarizados com as novas tecnologias de comunicação buscarem em 2008. Os links que indico nem sempre coincidem com as dicas dele.

  1. Torne-se blogueiro(a). Comece com seu tema favorito, alguma coisa pela qual você tenha paixão. Tente escrever diariamente por pelo menos seis meses.
  2. Compre uma pequena câmera digital que também faça vídeo. Abra uma conta em um site de compartilhamento de fotos, como o Flickr.[ou o Picasaweb]. Tire fotos e publique. Se necessário, use tutoriais online para fotografia digital.
  3. Com a mesma câmera, faça pelo menos três vídeos. Edite-os no software gratuito que vem no seu computador. Publique-os no youtube e em pelo menos outro site de compartilhamento de vídeos. Sua meta não é fazer um grande vídeo, apenas aprender o que está envolvido na produção de um.
  4. Passe pelo menos duas horas por semana no youtube, por seis semanas. Busque temas de seu interesse. Preste atenção aos mais populares do dia e veja o que outras pessoas estão vendo. Veja tanto vídeos amadores quanto profissionais.
  5. Inscreva-se num site de relacionamento. [1, 2, 3, 4, 5]
  6. Use o bookmark social. Crie uma conta no del.icio.us e use-a todos os dias. Aprenda sobre tags.
  7. Comece a usar RSS para acompanhar as notícias do dia e os blogs que você agora está lendo diariamente. Certifique-se que seu blog tem um feed de RSS.
  8. Se o seu celular não envia SMS (mensagens de texto), consiga um que envie. O SMS funciona melhor quando você tem amigos que o usam.
  9. Aprenda a usar o twitter. Observe como essa tecnologia pode mudar a disseminação da informação.
  10. Crie um mashup no Google Maps. Se você não sabe o que é isso, pesquise no Google. Se você não sabe o que fazer ou como começar, pesquise no Google. Há muitos tutoriais disponíveis.
  11. Depois de fazer essas dez coisas, documente o que você aprendeu - em um artigo para seu editor ou no seu blog. Discuta como a tecnologia transformou a mídia e aonde essa mudança pode levar. Como será seu trabalho daqui a dez anos? Como as notícias vão chegar aos leitores jovens em uma geração? Amanhã?
p.s., 25.01: Duas informações complementares que ficaram de fora da tradução resumida.

A primeira é de contexto. Howard Owens escreveu o artigo com sugestões para editores de empresas jornalísticas que têm programas de aperfeiçoamento dos seus profissionais. É uma proposta de plano de MBO - management by objectives [gerenciamento por objetivos]. A idéia é recompensar as pessoas cujo trabalho ajude a empresa a avançar em suas metas estratégicas.

No item 1, sobre tornar-se blogueiro, deixei de fora uma sugestão que me pareceu dispensável: a de que, antes de começar a escrever um blog sobre seu tema de interesse, você passe três meses lendo outros blogs sobre o mesmo tema. Pensando melhor, talvez não seja assim tão óbvia pra todo mundo a importância de conhecer o "estado da arte" de determinado tema na blogosfera antes de pôr a mão na massa.

Álcool nas estradas

Rogério Christofoletti faz um comentário lúcido sobre a decisão do governo de proibir o consumo de bebidas alcoólicas nas rodovias federais brasileiras.

Tenho visto e ouvido muita besteira nos últimos dias sobre a medida do governo que proíbe o comércio de bebidas em estradas federais. Tem chiadeira dos comerciantes, lei da mordaça entre os patrulheiros e algumas manifestações de motoristas. ...

O governo está certo? Está. E a medida demorou. Deveria ter sido implementada antes, bem antes. O governo tardou em atuar. E agora, faz apenas o necessário, nada mais que isso. ...

A proibição da venda de bebidas em estradas federais não é populista, nem moralista. As mortes no trânsito são questões de saúde pública. As estatísticas são suficientemente claras e trágicas. ...
Concordo 100%. Não se trata aqui de uma lei que restrinja o direito individual de colocar a própria vida em risco, como pular de body-jumping ou tomar uma garrafa de uísque todas as noites na varanda de casa. É uma questão de saúde pública em que os infratores colocam em risco direto a vida de outras pessoas.

Não é preciso ser especialista em trânsito - basta ser brasileiro de estatura mediana - pra perceber um detalhe fundamental: só a lei, sem uma campanha forte de educação, periga não pegar. Uma campanha assim precisa ser sistemática (de longo prazo), de abrangência nacional (não só nas estradas federais, como bem coloca o Rogério) e com linguagens diferenciadas pra diversos públicos - motoristas, comerciantes, crianças e adolescentes.

As abordagens também precisam ser diferenciadas e complementares. Meu palpite é que informação sobre os riscos e sobre as punições aos infratores - ou mesmo a estratégia do choque, como outdoors mostrando carros esmagados - tem efeito limitado se não vier acompanhada de mensagens que incentivem comportamentos positivos. Por exemplo, o orgulho de contribuir para a fama do brasileiro como bom motorista (tou delirando?).

Tudo isso só caminha com a vontade política de todas as esferas de governo, o apoio maciço da mídia e o comprometimento coletivo. Mas o tamanho do desafio não deve desanimar. Um passo de cada vez. Espero que as estatísticas pós-carnaval possam indicar um avanço.

p.s.: Botelho, no comentário, toca num ponto fundamental: pra que a lei pegue, é preciso ter como fiscalizá-la. O efetivo da Polícia Rodoviária Federal no país é ridículo.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Mil tsurus


O tsuru - cegonha em japonês - é uma ave associada à juventude e à longevidade. É uma das figuras mais conhecidas da antiga arte do origami - dobradura de papel. Diz uma lenda que quem fizer mil tsurus, com o pensamento voltado para aquilo de deseja alcançar, vai alcançar seu desejo.

Uma história mais recente conta que em 1955, Sadako Sasaki, uma menina japonesa de 12 anos, teve leucemia por causa da radioatividade em Hiroshima. Sua amiga lhe contou a lenda e no hospital ela fez muitos tsurus, mas não conseguiu chegar a mil e morreu. Seus colegas de escola completaram o número e decidiram fazer uma campanha pra levantar um monumento em homenagem às crianças feridas ou mortas pelo efeito da bomba. Em 1958 foi construído em Hiroshima o Monumento das Crianças à Paz, também conhecido como Torre do Tsurus. Todos os anos, milhares de tsurus vindos de vários países são colocados no local.

Há uma semana a família Tuyama se inspirou na lenda e resolveu dobrar mil tsurus pela recuperação do marido, pai, avô e genro Augusto. Dobrar um tsuru não é coisa do outro mundo, mas também não é exatamente um trabalho fácil (colaborei mais nas primeiras fases da linha de produção, que requerem o mínimo da habilidade motora). Só que o entusiasmo com a tarefa foi tão grande que em poucos dias as mil aves de papel estavam prontas. Nem foi preciso seguir a sugestão do Carlos de fazer tsurus enormes valendo por dez cada um. :) Agora eles estão sendo enfileirados em cordões e a energia gerada nesse esforço coletivo vai fazer seu efeito.

Meias vermelhas & histórias inteiras

Li de uma só tacada Meias vermelhas & histórias inteiras, de Marcos Donizetti. Em 73 páginas, o autor do blog Hedonismos demonstra - sem se exibir - que tem domínio sobre a narrativa curta, aquela em que o escritor precisa vencer por nocaute, como lembra o Inagaki na introdução, citando Cortázar. As histórias fluem como conversas ao som de música. Júlia, Lurdinha, Laura, Fernanda, Débora, Ana Lúcia... Lucas, Júlio, Rodolfo, Jorge, João, Álvaro. Os personagens podiam ser nossos vizinhos, namoradas, maridos. Podiam ser nós mesmos em nossas vidas banais ou extraordinárias, dependendo do ângulo em que se veja.

Doni conhece o ofício. Ele lida bem com a passagem do tempo e com a reversão de expectativas - às vezes só pra confirmar o que o leitor já intuía. As histórias são temperadas com humor discreto, fetiches e sexo gostoso, mas o mote mesmo é amor. Com suas possibilidades e impossibilidades, palpitações, euforias e, quando acaba, seus efeitos devastadores. Quem já deu ou levou pé na bunda, quem guarda recordações agridoces de paixões da infância e adolescência vai se identificar. O livro também é flecha certeira pros que descobriram a mulher ou o homem de suas vidas.

Gostei muito do primeiro e do último conto, Júlia e A estrela é morta, que a gente lê ouvindo na cabeça a linda música de Lennon. Débora, com as pausas do narrador pra encher o copo, tá redondinho e divertido. A menina aborda a paixão platônica de uma maneira inusitada; tem uns ecos de Allan Poe. Vingança quente, conto de cinco parágrafos, é muito engraçado; pras mulheres captarem a essência, precisam se imaginar homens. Beijos foi esculpido com memória e arte; é talvez o meu favorito. Umas poucas histórias eu achei dispensáveis, dão a impressão de terem saído da incubadora antes do tempo. Mas elas não prejudicam o todo.

Guarde o nome de Marcos Donizetti. Ele ainda vai mostrar belas surpresas em forma de letra impressa (enquanto isso, dá pra apreciar o estilo do cara no seu ótimo blog). Meias vermelhas & histórias inteiras pode ser comprado pela internet na Editora Os Viralata, de literatura independente. Custa 19,90 dinheiros, já incluído o frete do correio. Você pode conferir aqui outras opiniões sobre o livro. Tem também uma comunidade no Orkut.

Anotação de leitura: Leminski e a impermanência

Levantei os olhos devagar para o carnaval de luzes em minha volta. Tudo parecia idêntico. As mesmas pessoas. As mesmas gargalhadas. Os gestos todos certos. A certeza.

Só que tinha uma coisa errada. TUDO tinha mudado.

Por segundos girei numa vertigem, sem saber o quê, em quê, por quê. Ah, por quês?, como atingir a sabedoria sem vocês, porquês, por quês, porquês, diabólica máquina das causas e efeitos. O que tinha mudado? Nenhum POR QUÊ?, por favor. TUDO.
Paulo Leminski, Agora é que são elas.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Informe extra!

Augusto teve alta da UTI. Ele permanece em coma, mas já não precisa daqueles aparelhos todos. No momento não há vaga na enfermaria, então a transferência deve ser feita amanhã.

Update 23/1: Ainda à espera da transferência pra uma enfermaria.

Carta pra Augusto

Caro sogro,

Escrevo hoje pra sua leitura futura. Soubemos que você não precisa mais usar a ventilação mecânica e já pode respirar sem ajuda a maior parte do tempo.

Ontem à noite levei a Laura a Pimenta Bueno, onde pegou o ônibus pra Cáceres. Ela vai ficar com a Cristina e substituir o Carlos, que chega hoje a Rolim de Moura. Por enquanto são só duas visitas diárias de meia hora, mas a gente espera pra breve uma transferência da UTI pra uma enfermaria, aí dá pra manter um acompanhante o tempo inteiro.

O Fanto passou uns dias na veterinária pra curar de vez aquele ferimento na bunda [foi atacado por dois cachorros no fim de 2007] e já retornou pra casa. Está sendo muito bem tratado. Um senhor aqui de Rolim nos procurou pra pagar uma prestação da moto. Ele entregou o dinheiro a dona Nilza. Edilson telefonou de Floripa dizendo que andaram lhe procurando pra encomendar umas placas de cimento. Olha só, nem dormindo os negócios param.

Os netinhos estão todos bem. Um ou outro vão alternando uma dorzinha de ouvido ou de garganta, nada sério. Todos já vacinados contra a febre amarela, a grande preocupação deste princípio de ano na saúde pública. Ontem passamos a tarde divertindo a meninada com um campeonato de sinuca e um de pingue-pongue. Na sinuca, a final foi da dupla Irmãs Cajazeiras (Laura e Sônia) contra a dupla Tico e Teco (eu e Pedro). Ganharam as Cajazeiras, sorte de principiante. Todos - pelo menos os que já sabem escrever - lhe mandaram mensagens numa folha de papel que a Laura levou na bagagem. Quando a Ana foi aí há algumas semanas, levou também uma gravação em que a criançada cantou junta uma das suas músicas favoritas. Ela tocou várias vezes ao seu lado, acho que você vai lembrar disso quando acordar. No meio da gravação aparece a voz do Bruno dizendo "quero o vô", ele queria ver sua imagem no celular. A percussão é do Estéfano, que não quis cantar e preferiu tocar bateria numa caixa.

Outra novidade são os tsurus. O pessoal em casa tá todo mobilizado pra dobrar mil, conforme a tradição japonesa, e fazer um pedido. A mesa da cozinha parece uma fábrica da Toyota, é produção em série de origami. Joãozinho perguntou o que acontece se a gente fizer dois mil - "dá pra fazer dois pedidos?". Carlos disse que a gente tá distorcendo a tradição, são mil por pessoa. E deu uma idéia: fazer tsurus bem grandes, assim cada um vale por cem e fica mais fácil atingir a meta. Esse seu filho nunca perde a piada... Depois conto mais e mostro umas fotos.

Suas plantas estão bem cuidadas por dona Ana. Tem chovido na Ilha, não faltou água pra elas. A casa de vocês serviu de hospedagem por uma semana à família do doutor Jefferson, um psicólogo que vem nos dando grande apoio desde o acidente. É incrível como surgem essas afinidades instantâneas, parece até que as duas famílias são amigas há anos. São pessoas excelentes. A casa deles em Cáceres tem servido de base pra todos os nossos que estão lhe acompanhando no hospital. Foi ótima essa oportunidade de retribuir a hospitalidade nas férias deles pelo Sul. Doutor Jefferson lhe visitou muitas vezes na UTI e lhe falou sobre um dia vocês pescarem juntos no Pantanal. Uma vez por ano, pelo menos, ele faz uma longa pescaria de barco. Mais um bom motivo pra acordar logo, né?

Hoje cedo recebi uma ligação do seu irmão Paulo. Ele tem telefonado várias vezes pra dona Nilza ou pra nós pra saber das novidades. Disse que contem com ele pro que precisar. Seus outros irmãos também ligam sempre. Nem imagina como os nossos telefones tocaram essas quatro semanas. Muita gente atrás de notícias. Este blog também tem servido pra informar as pessoas e guardar as mensagens da família e amigos. Como eu não tenho novidades pra contar todo dia, vou tocando adiante com umas histórias suas, recordações de bons momentos, fotos...

Vamos em frente. O despertar está próximo. Grande abraço!

sábado, 19 de janeiro de 2008

Onde você estava em...?

Recebi este meme do Rogério Christofoletti e repasso a outros três blogueiros: Botelho, Cris Fontinha e Ulysses. Quem mais quiser brincar de mexer nas gavetas da memória fique à vontade. São seis perguntas:

1. O que você estava fazendo em 1978 (há 30 anos)?

Tinha 12 anos e morava em Recife. Estudava no Colégio Militar e aprendia, entre outras coisas, a detestar o militarismo. Levantava às cinco pra engraxar as botas e ir à escola. Ficava acordado até tarde pra ver "O planeta dos macacos". Jogava futebol de botão com um vizinho catarinense que tinha um time do Figueirense. Sonhava com mulheres inatingíveis. Folheava o atlas e fantasiava viagens. Vibrei com a copa do mundo da Argentina - chuva de papel picado na Bombonera, jogadores com mangas compridas, gol em curva de Nelinho, marmelada no jogo do Peru. Um momento marcante no segundo semestre foi nossa mudança pra Natal pela segunda vez - já tínhamos passado uns meses lá em 76.
(...)
Continua aqui

O grande desafio do aqui e agora

(...) Descobri que não tinha nenhum controle sobre minha mente. Parece óbvio, mas achar que controlamos nossa vida é uma das grandes ilusões contemporâneas. E eu sempre a tive em alta conta. Manter a mente no exato momento presente é um desafio: em geral, estamos no passado (nostálgicos ou lamentosos) ou no futuro (antecipando catástrofes ou adiando possibilidades). Aqui, agora, pouco estamos. (...)
Eliane Brum, jornalista, na reportagem O inimigo sou eu, sobre uma experiência radical de meditação que ela viveu: dez dias sem falar, ler ou escrever; mais de cem horas na mesma posição (Época, 07.01.08). Ótimo texto, recomendo.

p.s.: Eliane está ao meu lado nesta foto durante a entrega do Prêmio Herzog em novembro.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

O avanço de hoje

Augusto passou a noite inteira sem ventilação mecânica. Trinta dias depois do acidente, mais um pequeno passo adiante.

Uma introdução à mídia cidadã

An Introduction to Citizen Media é o primeiro guia de uma série produzida pela Rising Voices, iniciativa da organização Global Voices para disseminar os fundamentos das tecnologias de comunicação entre ativistas de mídia. Traz informações básicas e estudos de caso que mostram como as pessoas estão usando cada vez mais os blogs, podcasts, vídeo online e fotografia digital pra se engajar em conversações não mediadas que vão além das fronteiras, culturas e barreiras de idiomas. Já existe muito material sobre isso na internet, mas quase sempre sobre Estados Unidos e Europa. O diferencial dessa série é o foco em iniciativas inovadoras que estão surgindo em outros cantos do mundo. Ao longo de 2008, outros fascículos vão abordar temas específicos. Este primeiro guia tem versões em inglês, espanhol e bengali [pdf]. Também vai ser editado em swahili, malagasi e aymara.

A máquina de escolher sonhos

Miguel desenvolveu uma técnica para escolher qual sonho vai ter. É simples assim, pelo que entendi: ele pensa em várias opções de sonhos e repassa mentalmente um a um, até escolher o preferido da noite. Aí escolhe aquele e vai dormir. Tentei ontem, eu queria sonhar com Augusto acordando e dando uma risada - já sonhei com isso semana passada. Mas não deu certo dessa vez, talvez eu tenha "clicado" com o botão errado do mouse imaginário.

Trinta dias

Hoje o acidente com Augusto e Nilza completa um mês. Ela está se recuperando da cirurgia intestinal na casa do Carlos e da Cristina em Rolim de Moura, RO. Ele permanece em coma no hospital de Cáceres, MT. Não tivemos notícias novas nos últimos dois dias. As informações mais recentes são as que já passei aqui:

Discreta melhora no quadro neurológico. Possivelmente não vai ser necessária a segunda operação na cabeça. "Desmame" gradativo da ventilação mecânica. Perspectiva de sair da UTI para uma enfermaria em breve. Ainda não há prognóstico sobre quando ele irá acordar ou sobre eventuais seqüelas. Novas informações a qualquer momento.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Os livros de auto-ajuda e a filosofia grega

Em comentário ao meu texto sobre o timing, Lígia Fascioni, comparsa no coletivo +D1, lembra que também escreveu sobre o assunto. Seu artigo O segredo do status é mais que uma crítica contundente aos livros de auto-ajuda. É uma contribuição importante pra gente refletir sobre os nossos limites. Lígia recupera alguns conceitos da filosofia grega pra alertar: desconfie quando tentam lhe convencer que a chave do sucesso só depende da sua força de vontade. Na opinião dela - concordo 100% - a auto-ajuda pode até realmente ajudar algumas pessoas (principalmente seus autores), mas contribui mesmo é pra detonar a auto-estima dos incautos. A busca por sucesso e status é angustiante porque a referência passa a ser o que os outros consideram ideal, não você.

(...) Escondida lá no fundo da livraria , a Marilena Chaui, no excelente "Convite à filosofia", explica que um dos legados mais importantes da filosofia grega para o pensamento ocidental é a formalização da diferença entre o que é necessário (o que não pode ser senão como é) e o contingente (que pode ou não ser). Além disso, os gregos nos ensinaram que o contingente pode ser dividido entre o acaso e o possível.

Olha só: o necessário é aquilo que a gente não pode escolher, pois acontece e vai acontecer sempre, independente da nossa vontade. Assim, sempre haverá dias e noites; o tempo vai passar; todas as coisas serão atraídas pela gravidade; você vai morrer algum dia.

Já o contingente é aquilo que pode ou não acontecer na natureza ou entre os homens. Quando o contigente é do tipo acaso, também não está em nosso poder escolher. Exemplos de acaso: não posso determinar se um motorista bêbado vai ou não abalroar meu carro e provocar um acidente; não posso optar por ser ou não assaltado; também não posso arbitrar que meu pai seja ou não um jogador compulsivo nascido na Croácia.

Que coisa, heim? Então posso escolher nada? Bem, pode. É justamente por isso que existe o segundo tipo de contingente: o possível. O possível é tudo aquilo que está em meu poder mudar ou não. Posso optar por fumar ou não; posso ficar até mais tarde estudando ou vendo televisão; posso ouvir uma fofoca calada ou contar para todo mundo; posso ler o texto até o fim ou parar por aqui.

Sacou como os gregos eram espertos? Essa estrutura lógica de pensamento nos permite concluir duas coisas importantíssimas: nem somos guiados cegamente pelo destino, daquele tipo "o avião caiu porque Deus quis", nem tampouco podemos tudo, mover céus, montanhas e mares ao sabor dos nossos desejos. Algumas coisas a gente pode mudar, outras, não! (...)
O artigo inteiro está aqui.

p.s.: Lígia cita o livro Desejo de status, de Alain de Botton, professor de filosofia da London University. Desde já, entra pra minha lista dos "a ler". Dele li e resenhei pra editora Rocco o ótimo As consolações da filosofia.

Três novos blogs

Recebo hoje com alegria a notícia da criação de três novos blogs.

Botelheco, do amigo Diógenes Botelho, compartilha as pérolas da gaveta em clima de boteco, com o humor ácido que lhe é peculiar. Sua praia são causos curiosos, amenidades picantes, frases afiadas e desbocadas, fotos antigas do curso de jornalismo da UFSC, homenagens aos amigos que já se foram e aos malacos que continuam por aí - olha eu de cabelo preto. Botelho trabalha (mesmo) no Congresso, mas promete não escrever de política. Deveria. Tem cada história...

Tra-la-lá
é um blog sobre música tocado por Dorva Rezende, Fábio "Mutley" Bianchini e Renê Müller, jornalistas do Diário Catarinense. Os dois primeiros são meus amigos de longa data. Renê, vou ter o prazer de conhecer melhor agora. Eles entendem muito de música e têm intimidade com o idioma - Dorva é mestre em literatura e escreve sobre livros no jornal. Já publiquei aqui uma foto do Mutley (de preto) num dia em que brincamos de Nero no meu quintal.

Eu escolho como vou andar... é da Fernanda Costa, que não conheço pessoalmente mas me lê há um tempão - "há com H", como ela faz questão de frisar, depois de ter escorregado no comentário; Fê, isso acontece nas melhores famílias; tá corrigido. Ano passado ela comentou pela primeira vez - sobre o momento de felicidade que foi ter conhecido o namorado no show do Roger Waters, no meio de 40 mil pessoas. O mote da Fê é a liberdade de escolha.

Já tou seguindo vocês por RSS.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Sobre a vida e o 'timing'

Tenho pensado muito na questão de timing desde o acidente na estrada com meus sogros no dia 18 de dezembro. Mas não tinha me animado a escrever sobre isso. Até que li este texto do Inagaki e resolvi botar pra fora. "E se ele tivesse decidido cruzar a rodovia 15 segundos antes ou depois? E se eu tivesse sugerido, como pensei na hora do almoço em Cuiabá, que desviássemos o caminho pra visitar a Chapada dos Guimarães? E se tivessem viajado de avião? E se..." Era em coisas assim que eu pensava nos primeiros dias, tudo isso misturado às recordações do instante da batida que presenciei e à desoladora sensação de não conseguir voltar o relógio do tempo até o momento em que eu poderia ter intuido o perigo e "feito alguma coisa pra evitar".

A tempestade interior não ajudava em nada e deixei tudo isso de lado pra mentalizar boas energias na recuperação deles - felizmente estamos tendo progressos, lentos mas consistentes. Passado quase um mês, volto a refletir sobre essas questões filosóficas com o espírito mais sereno, embora não menos inquieto - paradoxo difícil de explicar. Resposta não tenho, mas palpites. Não acho que o destino de ninguém esteja traçado e seja imutável. Mas minha conclusão é que, na prática, o nosso poder de guiar a vida é limitado demais. As mudanças acontecem à nossa revelia. O que podemos é, de quando em quando, fazer pequenas correções de curso. Jogar o barquinho de papel de nossos planos em um redemoinho ou num curso de águas que pareçam mais seguras. Mas é impossível influir sobre as chuvas que caem na cabeceira do rio, ou adivinhar corredeiras, remansos e surpresas até a foz.

Aceitar essa idéia é difícil pra quem se acha dono do próprio rumo. Muitos de nós somos assim às vezes - ou quase sempre: voluntariosos ao ponto de esquecer que temos pouquíssimo controle sobre coisas "banais", como o funcionamento do cérebro e, em certas circunstâncias, dos esfíncteres. Esses dramas ajudam a colocar um pouco mais de humildade na existência. Inútil sofrer com as incertezas do futuro e com o que poderia ter sido no passado. Não quero parecer fatalista e acomodado, mas há um limite além do qual a gente não pode fazer nada. Quando se descobre onde está essa fronteira, resta se abandonar à habilidade do piloto do universo - pros que, como eu, acreditam na existência da "Força" - ou aos caprichos das casualidades históricas, se você preferir.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Augusto, boletim de 15.01.08

Hoje faz um mês que iniciamos a viagem. A tomografia mais recente traz duas notícias animadoras: a neurologista acha que não vai ser preciso fazer nova cirurgia na cabeça. E acredita que em breve ele vai trocar a UTI por uma enfermaria.

Canção de ninar

Uma música de ninar que o vô Augusto ensinou pro Bruno:

Tá na hora de dormir
Não espere a mamãe mandar
Um bom sono pra você
E um alegre despertar

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Cena oriental

passado o precipício
a vida neste momento
cruza uma ponte rangente
sobre um lago adormecido
Jeanine Will (no blog Caminhão de Mudança).

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008


Hideharu (Augusto) Tuyama nas dunas da Joaquina.
Florianópolis, fevereiro de 2007.

Queremos ver este sorriso despertar em breve.

Nova cirurgia

Amanhã ou no início da próxima semana os médicos vão fazer uma nova drenagem no lado esquerdo da cabeça de Augusto. É uma pequena intervenção cirúrgica em que se faz um orifício para retirar o líquido que se acumulou embaixo da membrana dural. A ventilação mecânica está sendo retirada aos poucos. É o "desmame", como explica este artigo em linguagem médica da qual entendi quase nada. Aliás essa crise toda tem nos forçado a aprender rápido sobre uma área do conhecimento totalmente nova pra nós. Tenho procurado "trocar em miúdos" pra que vocês entendam um pouco do que está sendo feito.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Mais um pequeno avanço

Era pra eu ter escrevido ontem esta boa notícia, mas tivemos uma pane na internet. A neurologista responsável por Augusto informou que ele teve "discreta melhora" nos reflexos. Em resposta a alguns estímulos ele abre os olhos. É o chamado "coma vígil". Sabemos que a médica é cautelosa com as palavras e avessa ao otimismo gratuito. Por isso, vindo dela, essa notícia é um grande alento.

Buscando coma vígil no Google, cheguei a esta reportagem da revista Marie Claire em que quatro pessoas contam suas experiências. Depois de um acidente automobilístico, o ator Flávio Silvino passou 18 dias em coma profundo e dois meses e meio em coma vígil, os estados mais graves do coma. Seu depoimento também reforça nossa crença de que meu sogro vai sair dessa e se recuperar. Se você precisa de uma dose de ânimo hoje, leia o texto.

Um quase tsunami de água doce

Ontem por volta das 14 horas, o dique de uma barragem da central hidrelétrica de Apertadinho se rompeu no município de Vilhena, sul de Rondônia. Havia o risco de que um tsunami com ondas de 10 metros inundasse a cidade de Pimenta Bueno, 150 km ao norte da represa e a 67 km a leste de Rolim de Moura, onde estamos agora. O governo chegou a retirar a população que vive às margens do rio Barão de Melgaço e levar as pessoas para abrigos improvisados. Havia um plano de evacuação de emergência de todos os 33 mil moradores de Pimenta Bueno. Felizmente a água foi contida no mesmo dia em outro dique a 20 km da barragem. Antes disso, alagou uma extensa área de floresta amazônica e arrancou árvores de grande porte. Escrevo esta nota com informações da Agência Estado. Aqui continuamos com os pés secos e em segurança.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Um resumo

Pra facilitar a busca de quem quer notícias sobre Augusto e Nilza, criei uma nova tag, tuyama. Lá estão reunidos todos os textos e fotos que venho publicando sobre eles depois do acidente rodoviário ocorrido em 18 de dezembro no município de Pontes e Lacerda, Mato Grosso. Também estão as mensagens de apoio de familiares, amigos, conhecidos e desconhecidos. Meus sogros viajavam de Florianópolis, onde moram, a Rolim de Moura (Rondônia), cidade onde viveram por muitos anos e têm descendência. Essas informações também estão catalogadas com o rótulo vida. Celebramos a vida todos os dias, pois é milagre ambos ainda estarem conosco depois da violência do impacto que sofreram. Um resumo do quadro atual:

Augusto continua em coma na UTI do Hospital Regional de Cáceres (MT). Estado grave, mas estável. Na escala de coma de Glasgow, que varia de 3 a 15, está entre 5 e 6. Há alguns reflexos e os órgãos vitais funcionam bem, mas ele respira com ventilação mecânica. O respirador só vai ser retirado quando esse índice chegar a 8. A fratura de bacia não requer cirurgia. Não houve traumatismo craniano. Ainda é difícil avaliar os danos neurológicos em decorrência do impacto e da falta de oxigenação do cérebro. Ele foi submetido a duas cirurgias: uma drenagem do líquido que se acumulava sob a membrana dural e uma traqueostomia. É preciso ter paciência, esperar que o próprio organismo providencie o despertar e crie os caminhos da cura.

Nilza está em Rolim de Moura na casa do filho Carlos, da nora Cristina e dos netos Camila e Eduardo. Ela se recupera da cirurgia que estancou uma grave hemorragia no intestino. Vive rodeada dos netos - os outros são Amanda, Pedro, João, Corina, Estéfano, Miguel e Bruno - e tem recebido muitas visitas. Participa de um grupo de orações da Seicho-No-Ie, que todos os dias manda energias positivas para o marido. Ontem completou 73 anos. Sua rápida convalescença impressiona. A força espiritual diante da adversidade é exemplo pra todos nós. A solidariedade que temos recebido também tem sido fundamental pra que a gente enfrente a crise. Temos confiança de que tudo isso vai ser superado.
~
Mapas:

Florianópolis, Pontes e Lacerda, Cáceres e Rolim de Moura no Brasil

Hospital Regional de Cáceres, MT. Augusto está aqui

Epifania na lama amazônica

Essa historinha é do início dos anos oitenta, tempo em que meu sogro Hideharu (Augusto) Tuyama fazia fretes na sua Toyota entre Rondônia, Amazonas e Acre. Na época das águas, muitas estradas da região ficam intransitáveis. As pessoas se sentem pequenas diante da força bruta da natureza e tendem a se irmanar no aperto. Nem todas. Algumas continuam se achando o máximo. Havia um caminhoneiro antipático, daqueles tipos que ignoram os outros e só querem levar vantagem. Ninguém gostava dele. Um dia o sujeito entrou num atoleiro fundo, achando que conseguia passar sozinho, mas ficou preso com lama até o eixo.

Os outros profissionais da estrada foram chegando e o comentário geral era mais ou menos nesses termos: - Deixa esse filhadaputa se lascar pra aprender. Augusto retrucou: - Vamos ajudar! Logo convenceu outras pessoas, arrumaram umas cordas e com esforço conseguiram rebocar o caminhão pra fora. O homem ficou tão agradecido e envergonhado que passou por uma transformação radical. A partir daquele dia ele se tornou um dos viajantes mais solidários, um dos que mais ajudavam os outros. Às vezes é preciso afundar na lama pra se limpar.

~

Epifania é uma súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do significado de algo. (...)
Wikipedia

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Parabéns pra você

Hoje foi o aniversário de Nilza. Teve bolo, salgadinhos e mesa rodeada de netos. O estado de Augusto continua sem alteração. Revezamento: Sônia veio a Rolim de Moura encontrar as crianças - fui pegá-la no aeroporto de Ji-Paraná - e Neto retornou a São Paulo pra tocar o trabalho. Ana os substituiu em Cáceres, onde Carlos continua na rotina de duas visitas diárias à UTI.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Leia o Mundo, p.s.

Republiquei o post anterior porque eu tinha errado no título e no texto o nome do projeto: é Biblioteca Leia o Mundo, e não Veja como tava escrito. O link permanente pra vocês passarem o recado adiante passa a ser este aqui.

Leia o Mundo e a magia dos livros

Ontem visitamos a Biblioteca Leia o Mundo. É um projeto social desenvolvido no bairro Bom Jardim pela Afeerm - Associação das Famílias, Educadores e Educandos de Rolim de Moura (Rondônia). A iniciativa nasceu em 2001 como biblioteca itinerante que percorria comunidades pobres pra despertar nas crianças e adolescentes o gosto pela leitura (na época o material foi transportado várias vezes por meu sogro Augusto na carroceria da sua Pampa). Chegou a ser premiada pela revista Nova Escola e saiu numa reportagem da Folha de S. Paulo. Os cinco mil reais do prêmio e as doações de livros deram fôlego à pequena biblioteca, que há dois anos ganhou espaço fixo em um salão da prefeitura.

Esta semana chegou luz elétrica, importante avanço na estrutura precária - faltam banheiro e água encanada, o acervo é limitado, não há gente suficiente pra abrir as portas por mais tempo. Mesmo assim, Leia o Mundo já faz diferença no cotidiano de Bom Jardim, onde as opções de lazer e acesso a livros são quase inexistentes. O bairro é a cara do Brasil esquecido pelo país oficial: um conjunto de casas-caixotes de alvenaria, concebidas com recursos federais pela mente de algum arquiteto sádico - muitas têm puxadinhos nos fundos pra suprir a falta de espaço. Ruas esburacadas de barro vermelho, nada de saneamento. Jovens desempregados nas esquinas, mulheres com bebês no colo, crianças brincando por aí enquanto os pais tentam ganhar a vida. Fomos recebidos com muita simpatia pelos moradores.

Assim que a Valdete, presidente da Associação, abriu as portas da biblioteca, a criançada foi chegando como se atraída por mágica. Logo o ambiente era de festa. Uns meninos sentavam em banquinhos pra ler revistas em quadrinhos. Dois irmãos tentavam decifrar palavras: - Olha, tio, ele já sabe ler a palavra osso. E o pequeno, orgulhoso: - Eu tenho quatro anos, mas já vou fazer cinco. Outros mexiam nas estantes e brincavam de se esconder entre os livros. Os menorzinhos pediam papel pra desenhar - papel é material escasso aqui - e enfeitavam os braços com carimbos. Um miúdo fazia a percussão, batendo com uma colher numa panela vazia. Três adolescentes montavam um jogo de palavras cruzadas com peças móveis.

Leia o Mundo é fruto de vontade e idealismo de muita gente. A Afeerm ainda está em processo de formalização como OSCIP, pra que possa receber recursos públicos. O pessoal tem planos de melhorar o acesso à casa, construir um sanitário, instalar tevê e computador, catalogar as obras. A cada dia é adicionado um tijolinho a mais. Entre as obras encontrei Garcia Marquez, Agatha Christie e Julio Verne. Esses escritores iam gostar muito de saber que podem ser lidos no interior de Rondônia.

Na sua casa tem algum livro ou revista pra passar adiante? Pode ser leitura pra adulto, adolescente ou criança. Que tal dar uma força nesse projeto? É muito pouco pra quem dá e tem valor enorme pra quem recebe. Você pode colaborar enviando doações de livros e revistas pra

Biblioteca Leia o Mundo (a/c Valdete ou Ivone)
Rua das Violetas, 6744, Bom Jardim, Rolim de Moura-RO
CEP 78987-000

sábado, 5 de janeiro de 2008

Nota sete

Augusto foi submetido nesta sexta-feira a uma traqueostomia para facilitar sua respiração e não prejudicar as cordas vocais. Continua assistido por um ventilador mecânico, mas esse pequeno procedimento cirúrgico - a abertura de um buraquinho na traquéia - lhe dá mais conforto. Ainda não há condições de prever quando vai ser o despertar. Estamos preparando o espírito pra uma espera que pode ser demorada e vai demandar da família o revezamento das atenções no hospital. É cedo para prever se houve sequelas e que tipo de reabilitação vai ser necessária. Tudo isso é lucro diante do estado em que ele chegou à emergência há duas semanas e meia.

Embora a angústia e a incerteza nos apertem o peito em vários momentos, temos apoiado uns aos outros pra manter o astral elevado. Cultivar tristeza não ajuda ninguém, muito menos meu sogro, homem espirituoso, de bem com a vida e que nunca perdeu tempo sentindo pena de si mesmo. O exemplo dele nos guia no enfrentamento desta crise. É preciso se fortalecer para ajudá-lo a ficar forte outra vez. Enquanto escrevo, leio aqui na mesa da casa dos cunhados Ana e Luimar uma frase desenhada num enfeite de margarida sorridente: Na nossa família somos todos loucos: uns pelos outros!

Vamos levando a vida com a leveza possível diante das circunstâncias - aquela serenidade que brota do prazer das pequenas coisas, como ver as crianças se divertindo, brincar com os animais, preparar uma boa comida e fazer piada com coisas do cotidiano. Essa serenidade surge também da descoberta de que é preciso aceitar o que não se pode mudar. Assim enfrentamos o tempo e driblamos o sofrimento, cada um à sua maneira - com um IPod, uma partida de sinuca, um livro, um vídeo, trabalhos manuais ou intelectuais, sonhos alvissareiros, correntes de oração... A mim, blogueiro de plantão e "testemunha ocular da história", coube informalmente fazer a crônica desses dias. A idéia é informar a família e os amigos e também fazer um registro pra que meu sogro, ao despertar, recupere mais rápido esses dias de coma.

Ontem foi feriado em Rondônia, aniversário de 26 anos de criação do estado. Levamos a criançada - ao todo nove primos, uma escadinha entre 15 anos e 1 ano e 9 meses - ao Cacoal Selva Park Hotel, ou "Sítio do Nério" para o pessoal daqui. É uma reserva privada do patrimônio natural. Lugar muito agradável com chalés, trilhas pela mata, piscinas de água corrente, lagos com pedalinhos e um incrível percurso de arvorismo. Entre pancadas de chuva equatorial e umas brechas de sol entre as nuvens, curtimos uma tarde bonita. Termino hoje com a lembrança de um cumprimento recorrente que o pessoal da família Tuyama e agregados têm com o marido-pai-sogro-avô-amigo:

- E então, seu Augusto? Tudo bem?
Ele abre aquele sorriso e responde, preparando a tainha pra assar no quintal:
- Nota sete. Que vida sacrificada essa aqui... :)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Mais agradecimentos

Um agradecimento especial aos irmãos desconhecidos. Vocês apareceram pra nos ajudar nas horas mais difíceis, desde os primeiros instantes depois do acidente de Augusto e Nilza na estrada, passando pelo resgate, hospitalização e recuperação em andamento. Bombeiros, paramédicos, policiais, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, motoristas de ambulância, neurocirurgiões, psicólogos, fisioterapeutas, cozinheiras, recepcionistas e faxineiras de hotéis, ombros amigos surgidos do nada em cidades que não conhecíamos. De alguns de vocês guardamos o nome e o telefone; de outros só o rosto ou vultos anônimos. Quando recordo os momentos terríveis do dia 18 de dezembro e os seguintes, por instantes chego a imaginar que tivemos o apoio de anjos. Um deles sentou do meu lado no carro enquanto eu dirigia transtornado em Pontes e Lacerda à procura do hospital dos primeiros socorros; me guiou até o lugar certo e desapareceu discretamente. Uma mulher sorridente que conhecemos numa praça em Cáceres disse coisas belas sobre as ações de Deus se manifestarem através das pessoas. Houve uma série de coincidências curiosas que me levam a afirmar com certeza: devemos a vida do casal Tuyama à presença e às ações de vocês nos momentos e lugares em que era preciso. Definitivamente, não estamos sós neste mundo.

Agradecimento

Irmãos, amigos, conhecidos, parentes, colegas de Augusto e Nilza: em nome da família, muito obrigado a vocês todos pelo pensamento positivo e pelas orações! Podem acreditar, o otimismo das mensagens e telefonemas tem sido uma grande força pra todos aqui, nos ajuda a suportar as longas horas de espera. Alguns de vocês não faziam contato há anos, por motivos diversos que não interessa especular. O que importa é o momento presente. É muito bom que vocês estejam unidos com a gente em pensamento.

Podemos tirar bons aprendizados desse desastre. Um dos principais é que sempre é tempo de diminuir as distâncias e buscar o entendimento. De dizer o que ainda não foi dito, dar os abraços adiados. A vida é curta demais pra perder oportunidades assim. Cada movimento nessa direção, seja pra uma pessoa amada ou pra um completo desconhecido, contribui pra harmonia do universo. Dizem também que deixa o cabelo mais bonito, a pele mais saudável, o rosto rejuvenescido. E contribui pra paz mundial. Amor faz bem.

Mais fotos de Cáceres

De Cáceres
Pôr-do-sol no rio Paraguai. Restaurante flutuante Kaskata.



Barco Titanic II. O dono tem senso de humor.



À noitinha no centro.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Notícias de Cáceres, boletim de 2 de janeiro

Hoje os médicos retiraram o aparelho de respiração artificial por uma hora e meia durante a manhã e uma hora e meia à tarde. Augusto conseguiu respirar bem. Está começando o "desmame", como diz o pessoal da área em relação aos pacientes em coma que estão se preparando pra despertar.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Enquanto isso, em Cáceres

Médicos e fisioterapeutas estão otimistas. Os olhos dele estão se movimentando mais.

Slow Down Now

Uma fonte de inspiração pra 2008: slowdownnow.org, websaite oficial do International Institute of Not Doing Much.